Entre cânticos e punk rock

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Desde aquilo, ela não veio para a aula.
Contei para o pessoal na hora do jantar sobre o que aconteceu. Disseram que, se ela não quisesse mesmo de volta, era para ao menos mostrar que estava grata por isso.

Faz pelo menos cinco dias que estou com essas duas canetas pretas para dar a ela. Não sei o que desenhista usa em especial pra desenhar, mas acho que essas servem pra qualquer coisa que ela quiser fazer.

Perguntei dela pra Luiza, que só fez resmungar e falar que ela é estranha assim mesmo e que é pra ignorar.

Mas, para minha surpresa, assim que chego, a vejo sentada na cadeira do meu lado. Luiza ainda não chegou. Ela está usando uma camisa xadrez verde escuro que cobrem até suas mãos, deixando só as pontas dos dedos para fora por baixo de uma habitual camiseta preta, jeans largos e fones de ouvido com o som que saí como um ruído até meus ouvidos. Nunca a vi longe desse Discman.

Meus olhos a seguem até que me sento ao seu lado sem dizer nada, já que ela está rabiscando no caderno. Abro a mochila e tiro o embrulho de lá, esperando a oportunidade de poder falar com ela.

Mas, mesmo se eu falasse alguma coisa, provavelmente ela não ouviria. Seguro aquilo contra minhas mãos, batendo meu pé direito contra o chão.

Respiro fundo e estendo o papel pardo em sua direção. Ela olha curiosa e tira um lado do fone de ouvido, olhando em minha direção.

— Pra... - ela cerra os olhos - Mim?

— É, eu não sabia o que te dar - aponto pro papel enquanto ela rasga a ponta devagar - então, eu vi que você desenha e... Deve usar muita caneta, né?

— Realmente não precisava me dar nada pelo livro – ela diz em um sorriso tímido – mas, obrigada. Eu uso muito dessas mesmo.

— É... – Digo sem jeito, olhando–a de soslaio – Eu que agradeço.

Coço o pescoço devagar, pensando no que falar agora. Ouço o ruído voltar, e pigarreio de leve.

-— O que... – gesticulo na direção da minha orelha – Está ouvindo?

Hǎi yún me encara séria, e começo a achar que tentar puxar assunto não tenha sido uma boa ideia. Porém, ela pega um lado do fone e o estende na minha direção.

— Quer mesmo ouvir?

Assinto que sim e o coloco na minha orelha esquerda. Não consigo entender nada de primeira. Nunca tinha ouvido nada do tipo. Só sei que é algum artista internacional.

— O que é isso? – digo cerrando as sobrancelhas – Quem é que está cantando?

— Ramones – ela diz breve, mas sucinta. Olho para a camiseta que ela usa, do mesmo nome, e arqueio as sobrancelhas, como se tivesse descoberto algo óbvio.

— É a da sua camiseta, não é? – Hǎi yún assente que sim – É bem legal.

— Não está com cara de quem gostou... – ela diz tentando não rir. E o homem com a música veloz continua a cantar.

— É sério! – digo assertiva – É legal, só que é diferente do que costumo ouvir.

— E o que você gosta de ouvir?

— Adoro os louvores do Padre Marcelo Rossi - digo animada - Conhece?

Ela me olha como se quisesse rir, e o faz entre os dentes.

— Não faz muito meu estilo... Acho que nunca ouvi um louvor, pra falar a verdade. Só se ouvi sem saber.

— Vai saber quando for - aponto para meu peito - mas também ouço outras coisas. Ouvimos de tudo um pouco lá em casa, não só os cânticos.

Retas paralelas se encontram no infinito?Onde histórias criam vida. Descubra agora