Ponto fora da curva

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Como é bom ver meu pai de volta em casa, e rindo, feliz e bem na medida do possível. O médico disse que agora são exames para acompanhar sua situação, os remédios receitados e bastante repouso, assim como agora, deitado na cama e minha mãe cuidando ainda mais de que ele esteja bem e confortável.

— Você trabalha tanto pra no final o trabalho te matar  – ele diz com um ar magoado - e no final das contas, nem valer a pena. Já deve ter outro no meu lugar.

— Pelo que soube, o senhor tem direito - movo minha peça no tabuleiro - a receber um dinheiro enquanto tiver em recuperação.

— Direito não existe pra gente como nós nesse país.

Ele faz sua jogada. Muito boa, a propósito.

— E você, minha filha, está bem?

Preciso de um tempo pra pensar, tanto na resposta como na jogada, mas ele já conclui ambas por si, só pela cara.

— Sua mãe está muito preocupada contigo, Amanda... – ele diz com pesar – Diz que vê a hora de que quem vai cair dura no chão é você.

— Só estou cansada, pai. Logo fico bem - digo assim que mexo meu peão.

— Já disse o que você tem que fazer.

Ele movimenta a torre. Boa jogada aqui, confesso.

— Largue o trabalho, se dedique totalmente ao seu estudo – ele cerra as sobrancelhas – e vá atrás da sua namorada.

Suas palavras me pegam desprevenida. Não sei se rio de nervosismo ou se me jogo debaixo da cama. Ele gesticula que é minha vez. Não sei nem que jogada fazer.

— Se não se dedicar totalmente pro seu cursinho, não vai passar e o esforço não vai dar em nada.

— Tá, pai, digamos que eu saia do trabalho – olho para as peças – como vão ficar as coisas em casa, comigo e o senhor parados?

— A gente se vira – ele olha para o tabuleiro como eu – sempre nos viramos, agora não vai ser diferente.

Faço meu movimento, e ele gesticula de que aquilo não foi uma boa ideia.

— Quero ver você feliz, Amanda. É tudo o que mais queremos, e não nos importamos nem um pouco em fazer o que temos em mãos pra te ver assim.

Encaro-o. Ele continua com aquele jeito sereno, olhando para a peça que quer mexer.

— Pense um pouco mais sobre o que você sente, tá bom?

E faz uma boa jogada, quase me colocando em xeque.

Quase.

Faço meu movimento e paro ao lado da sua rainha. Não consigo não sorrir ao ver isso. Ele levanta as mãos, como se estivesse se rendendo, e tomo seu lugar.

— Xeque-mate, papai.

Ele bagunça as peças, rindo.

— É assim que se faz.

Fico um pouco mais com ele até que minha mãe chega. Vou tomar banho e fico no sofá ao ver que os dois estão conversando. André saiu pra fazer compras, até que a campainha toca. Toca uma, duas, até que minha mãe grita pra que eu atenda. Será que André esqueceu a chave? Desço, e abro o portão.

E nem mesmo eu consigo acreditar em quem estou vendo.

Ela olha apreensiva pra mim, com a maleta em mãos, o carro estacionado do outro lado da rua.

— Oi, Amanda.

A mãe da Hǎi yún, dona Jiaying. Pisco algumas vezes, ainda desacreditada.

— É... – ela olha ao redor – Posso subir?

Retas paralelas se encontram no infinito?Onde histórias criam vida. Descubra agora