Entre riscos

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Toco o interfone do prédio que vi daquela vez. Ele chama por três vezes até que uma voz rouca atende, alegre, falando para que eu suba. 

Ando pelos lances de escada, até chegar no apartamento indicado. Bato na porta, e quem me atende é ela, a famosa Judite Monteiro. Melhor amiga de Hǎi yún, de cabelos longos que caem pelo rosto, óculos escuros e um cheiro marcante de cigarro - inclusive, com um nos lábios - me recepciona com um forte abraço, gesticulando para que eu entre.

 — É um prazer finalmente te conhecer, Amanda - ela apoia a mão contra o peito - por favor, fique à vontade.

Se minha mãe visse sua casa, teria algo próximo de um surto. Cinzeiros espalhados pela casa, um gato que passeia pelos móveis, garrafas de bebidas alcoólicas que se acumulam no recinto, e Hǎi yún deitada no sofá, jogando videogame. Está aqui porque, segundo ela, prefere levar um tiro do que ficar na sua casa pelo que aconteceu na escola, e perguntou se não podia encontrá-la aqui.

 — Quer comer alguma coisa? - Jude diz olhando pra cozinha - Acho que ainda tem pizza de ontem.

 — Ah, não, obrigada - digo ao me sentar do lado de Hǎi yún, que me recepciona se levantando e dando um beijo no meu rosto - e aí, tá melhor?

— Só quando eu cortar a cabeça daquela desgraçada e der pros urubus comerem.

Jude dá uma gargalhada, voltando a fumar.

– Deixa isso pra lá, é melhor.

— Vai deixar mesmo essa filha da...

Seguro sua mão com mais afinco, chamando sua atenção para que ela olhe nos meus olhos.

— Esquece isso.

Ela continua com seu riso descontraído. Quando ela faz isso, sempre me sinto melhor.

— Só porque você pediu – Hǎi yún diz entre os lábios, escondendo o sorriso tímido.

— Que nojo de vocês duas - Jude faz uma cara de desgosto, se sentando na poltrona do lado do sofá - Amanda, você conhece um ditado que fala que quem tem teto de vidro não atira pedra?

Jude bate as cinzas do cigarro no cinzeiro, e digo que sim.

— Isso vale pra Luiza - ela volta a fumar - uma hora as coisas voltam.

— Vocês são amigas? - pergunto a Judite, que dá um riso contido.

— É, mais ou menos... Estamos mais pra conhecidas, eu acho.

— Quanto menos der palco pra Luiza, é melhor - ela diz sem pretensão, votando a se deitar, mas agora apoiando a cabeça no meu colo.

Cerro as sobrancelhas e esfrego a ponta dos meus dedos devagar em sua cabeça. Judite ri. Em seguida, ela beija a costa da minha mão.

Engraçado que, quando cheguei aqui, não me senti exatamente nervosa. Sim, senti o frio na barriga, mas não como antes. É como se eu me acostumasse com isso mais rápido do que pudesse admitir.

Ela está tão próxima de mim, com tanta tranquilidade que sequer parece que estamos na presença de alguém. Quando percebo o olhar de sua amiga compenetrado, abaixo a cabeça, mas ela dá um sorrisinho, apagando o cigarro no cinzeiro.

— E vocês? - ela aponta para nós - Casam quando?

— Minha Nossa Senhora - rio colocando a mão no rosto, envergonhada. Sinto meu rosto queimar, e Hǎi yún só balança a cabeça.

— Amanda precisa de uma coisa boa, não um castigo.

— Já começou a falar besteira cedo - Jude se levanta, indo abrir a janela próxima de nós e indo puxar os pés de Hǎi yún para fora do sofá, tentando tirá-la - e vamos logo fazer alguma coisa pra comer. Acredita que esse graveto aqui não quis comer hoje?

Retas paralelas se encontram no infinito?Onde histórias criam vida. Descubra agora