Afetos descritos

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Por que ela fez aquilo?

- Ei, Amanda, é a sua vez - diz meu parceiro de partida enquanto gesticula para que eu faça minha jogada.

Faço o que foi pedido, mas minha mente divaga pra outro lugar. Digo, o que alguém faz da vida não é da minha conta, mas não consigo parar de pensar em tudo que aconteceu naquela noite.

O contato que tivemos, a conversa de como ela se sentia, os... Os braços feridos.

E outra, o que eu sou pra ela? Amiga, conhecida? Ela beijou minha testa e me deu boa noite, ou pelo menos é o que acho que aconteceu. Nos abraçamos. Me sinto muito bem do seu lado, e ela disse aquelas coisas bonitas.

Somos no mínimo colegas, não é?

- Alô, Terra chamando Amanda - ele volta a dizer - faça sua jogada.

A verdade é que me sinto confortável com sua presença como há tempos não me sentia perto de alguém. Sinto que quando conversamos nossas diferenças se tornam um mero detalhe.

Mexo a peça sem pensar muito.

Não sei o que tem nela que me faz querer ficar perto, e quando penso nisso não parece ser errado, mas ao mesmo tempo que sim, por que fico pensando em como seria estranho se chegasse, por exemplo, com meu irmão e falasse "pois é, André, gosto de ficar abraçada com minha amiga."

Sei que são coisas de garotas, mas... Nunca me senti à vontade pra fazer isso com outras. Era estranho. Talvez uma e outra que tivesse mais intimidade, mas era muito difícil e parou de vez desde que comecei a trabalhar.

Até porque não há bem garotas pra conversar no meu ambiente de trabalho, assim como na oficina do André, e por aí vai...

Naquele dia, ela acordou pouco tempo depois de nós. O café estava pronto, mas quase não conversamos. Ela estava calada, sonolenta, com um ar preguiçoso que me fazia olha-la por mais vezes do que gostaria.

Depois, levei ela para casa, nos abraçamos e ela agradeceu por tudo mais uma vez. Disse que aquele era uma das noites mais divertidas que ela tinha tido, e isso meio que aqueceu meu peito, mas não compartilhei disso com ninguém.

Tem muitas coisas que guardo só pra mim. Não por receio deles, mas... Já temos tantos problemas que falar de como me sinto é o menor deles.

- É minha vez, né? - ele assente que sim e faço outra jogada impensada.

Hǎi yún é a pessoa mais diferente que já conheci. Não falo por onde ela veio ou por sua família, mas sim de gostos.

Ela não é batizada, desacredita em Deus e vive usando preto. Acorda tarde, gosta de música pesada e desenho. Diz que detesta a maioria das pessoas e passa boa parte do tempo em casa mexendo no computador.

Mas, ao mesmo tempo, toda vez que conversamos, parece que nos entendemos e sempre aprendo algo com ela. Ela é uma pessoa sensível como poucas conheci, e quando falo sensível é da percepção dela com o mundo, apesar de sempre parecer estr triste ou magoada.

Sem contar que... Eu não sei, tem algo nela que me atrai para querer ficar perto, e quando penso em perto, é próximo mesmo.

Então, se tudo que sinto é só meu afeto por nossa amizade, por que isso parece ser tão errado e ao mesmo tempo tão natural?

- Xeque.

Derrubo minha rainha e ele faz uma cara surpresa. Dou com os ombros. É assim mesmo.

*

Ela veio.

Como eu devo reagir? Estou tensa, chega sinto meu pescoço doer e... Não consigo encara-la de frente.

Retas paralelas se encontram no infinito?Onde histórias criam vida. Descubra agora