Não diga nada

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O Senhor sabe o quanto estou feliz por vê-la ali, acordada, comendo alguma coisa, mas também sabe a aflição que se passa no meu coração. Ela já está melhor? Estou cansada, mas não consigo descansar. Acho que só vou conseguir deitar e dormir de fato quando ver que ela está menos pior.

Não posso esquecer de pegar um atestado. Espero que ele valha de alguma coisa.

- Como está se sentindo? - pergunto já encostando os dedos no seu rosto, acariciando-o. Ela me responde dando de ombros. Talvez nem ela saiba dizer mesmo.

Hǎi yún já tem uma aparência fragilizada de quem não come e dorme direito há dias, mas agora está pior. É estampada suas olheiras, seus lábios sem cor, as mãos que parecem desaparecer.

Minha vontade é de tirá-la daqui e a levar para casa. Lá eu poderia cuidar melhor dela.

- Deita aqui comigo um pouco - sua voz sai em um sussurro.

- Posso fazer isso?

- Não importa se não pode - ela faz menção de levantar os braços para subir o lençol, mas logo intervenho. Ela não pode fazer força e por dentro agradeço por poder me deitar um pouco. Essa cadeira está acabando com minha costa.

Não quero perguntar o que a levou fazer tudo isso, mas me dói pensar que ela esteve comigo assim e logo depois... Fez isso consigo.

Que doença é essa que faz você querer desistir da própria vida enquanto tem tantas oportunidades e pessoas que te amam?

Eu a amo muito. Os pais também, incondicionalmente, os amigos... Por quê? Toco em suas mãos, a trago para mais perto de mim, e ela se envolve como costuma fazer, ou quase. Não pode se mexer muito por conta dos pontos, e nem vou permitir que isso aconteça. Quanto mais rápido ela se recuperar, melhor.

Hǎi yún se encolhe diante o toque. Beijo sua cabeça, mas ela parece ainda mais triste.

- O que foi? - pergunto olhando para sua cabeça baixa contra meu peito.

- O que te faz continuar do lado de uma fodida como eu?

Hǎi yún não perde o costume de falar esses termos horríveis.

- Você - seguro seu queixo para que eu possa a olhar melhor - não é nada disso que está falando.

- A vida seria bem melhor se eu sequer existisse.

Seguro suas mãos contra o meu peito, e a encaro, mesmo que ela não queira.

- Esse é só um momento ruim que você vai superar logo - afasto o cabelo do seu rosto.

- Isso não tem fim - ela responde com amargor - e se duvidar, vão acabar me internando e vou passar o resto da minha vida gritando amarrada em uma camisa de força...

- Para de falar essas coisas, Hǎi yún.

Não sou de falar nesse tom, mas ela falando desse jeito depois de tudo ainda me causa certo receio.

- Por favor - pressiono os lábios - odeio te ver assim se jogando pra baixo.

- Acha que gosto de me sentir assim?

Acho que nunca tinha visto Hǎi yún falando com tanto pesar como agora, tanto que seus olhos estão marejados ao me encarar de relance.

- Se qualquer coisa acima de nós existisse, Amanda, ia querer que ficasse assim, sem entender de onde vem toda essa... - ela levanta os pulsos, mas sem sucesso, fazendo uma careta logo após - Raiva? O Deus está me punindo por ser o que? Gay, mulher, imigrante ou ateia? Por tudo? Porque está funcionando!

Retas paralelas se encontram no infinito?Onde histórias criam vida. Descubra agora