Domingo de manhã

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Estou nervosa. Tão nervosa que não paro de bater os dedos contra o batente, olhando para o relógio.

"Sim, eu irei, com certeza!" disse ela animada quando dei a notícia pelo telefone. Ontem liguei dizendo para confirmar, e sua voz ainda tinha o mesmo tom.

As horas parecem não passar, e os minutos se arrastam. Quando dão a benção, saio primeiro que meus pais, e André ri. Dez horas, não foi? Já são quinze pras dez. Tenho que estar esperando, vai que ela se adiantou ou coisa assim, mesmo que seja difícil. Subo e olho para o redor mais uma vez, conferindo se está tudo arrumado. Papai de lá vai no mercado comprar o que está faltando e eu vou recepcioná-la.

Dá dez horas, dez e quinze, dez e meia, nada. André chega, e olha surpreso ao me ver sozinha.

— Cadê a menina? - diz ele com as sobrancelhas franzidas. Dou com os ombros. Não sie a resposta dessa pergunta. Telefono e ninguém atende. Espero passar alguns minutos até ligar de novo. Quem atende é sua mãe.

"Mil perdões, Amanda. Procurei o número pra te ligar e não encontrei na agenda e nem em lugar algum. Tivemos um pequeno contratempo, mas já estamos de saída. Obrigada por ter ligado!"

 — Ela vai se atrasar - digo colocando o telefone de volta no gancho. Será que aconteceu alguma coisa?

Enquanto isso, adiantamos o almoço. Ao fechar a porta da geladeira, vejo o sorrisinho sugestivo de André enquanto corta as verduras pra salada.

— O que foi? - pergunto empurrando ele com o ombro, pegando uma vasilhame no armário de baixo.

— Nada, é que é engraçado te ver assim - e aponta pra mim com a faca - toda agoniada andando de um lado pro outro. Relaxa que vai dar tudo certo.

Minhas bochechas queimam mesmo que eu insista que não deixe transparecer isso.

Escuto o barulho no portão. Ela chegou. Jesus. Respiro fundo e desço, deixando André acendendo o fogo da churrasqueira sozinho. Sim, lá está ela e a mãe.

— Me desculpe, Amanda – ela coloca as mãos contra o peito assim que chego até elas –  ela deu trabalho pra se levantar hoje. 

Realmente, seu rosto ainda está sonolento, mas sua feição diz mais além das olheiras marcadas. Ela está chateada com alguma coisa, triste, com os braços cruzados contra o corpo, a camisa de mangas longas verde escuro, as correntes que descem por seu pescoço, a bermuda jeans desfiada e pintada por ela mesmo.

— Me liga quando for pra vim te buscar - sua mãe beija o topo da sua cabeça - até mais, meninas.

Ela entra no sedã preto e vai embora, nos deixando a sós. Hǎi yún parecia estar empolgada pra vir, o que aconteceu?

— Você está bem? - pergunto encostando meus dedos em seu queixo, e sua resposta é  um dar de ombros em um "sei lá, tanto faz" - É...Vamos subir?

Quando encosto o portão, já que meus pais devem estar pra chegar, ela segura meu braço, e assim subimos. Nos deparamos com André já descamisado, suado e sorridente.

— Oi! - ele aperta a mão dela com firmeza - E aí, foi difícil chegar aqui?

— Um pouco - ela responde timidamente - pra falar a verdade, acabamos nos perdendo.

— Normal, essas ruas da COHAB tudo se parecem mesmo - ele vai em direção ao som, olhando pra trás - mas, olha, fica à vontade, viu - e se abaixa, pegando a caixa com sua seleção de músicas preferidas - a casa é sua. 

E coloca a música pra tocar relativamente alto, cantarolando enquanto balança a camisa em seu ombro. Nos entreolhamos. Ofereço água pra ela, mas recusa. Nos sentamos no sofá. Ela esfrega os anéis dos seus dedos um contra o outro.

Retas paralelas se encontram no infinito?Onde histórias criam vida. Descubra agora