"Whatever"

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Saio sem mais nem menos, seguindo até a rua e caminhando sozinha. Talvez eu achasse algum lugar onde eu poderia dormir.

- Garota! Espere! – Ouvi sua voz irritada e parei, cruzando os braços. - O que deu em você?

- O que deu em mim? O que deu em você?! – Gritei o empurrando.

Não consegui mais parar.

- Você me leva pra essa droga de restaurante cheio de narizes empinados com comida que não mata a porra da fome e quer me dizer que é falta de educação perguntar quanto eu estou pagando por essa tralha?! Eu passei por muita coisa, mas me recuso a passar por isso! Eu estou por aqui!


Toda a tristeza, raiva e os outros sentimentos misturados ao ódio daquele doutorzinho vieram a tona e eu só conseguia socar seu peito e chorar, até ele segurar meus braços, contendo-me.


- Pare. – Ele disse sério. – Seja lá o que for que tenha acontecido com você, EU NÃO ME IMPORTO. Você e sua vidinha de merda no Acre ou sei lá, não me importam, a única coisa que me importa é a mim mesmo e isso não vai mudar. EU SOU o melhor dos melhores e isso permanecerá, não importa a merda do seu relatório no final desses malditos 30 dias. Não entre no meu caminho, Senhorita Bryce ou eu a tiro do pior jeito. – Só então percebi que tinha segurado a minha respiração. As lágrimas caíam agora por ele ter gritado. Me senti a droga de uma criança.

- Eu... – Soluçei. – Vou sozinha da...qui... – Disse já sem voz e dei as costas para ele começando a caminhar.

- Você sabe, seu prédio é para lá. – Ele disse.

- Eu menti. Não moro lá. No momento eu não tenho para onde ir, não que você se importe. – Disse.

- Você não tem dinheiro nenhum? Zero?

- Zero, não sei onde foram parar minhas coisas... Enfim, até amanhã, Conahan. – Deleguei e ele bufou.

- Venha logo, Tem espaço em casa, amanhã você da um jeito. – Ele ofereceu.

- Não, obrigada. – Disse e comecei a caminhar em sentido contrário.

- Não foi um pedido, supervisora. – Ele vociferou puxando meu braço.

- Ai ai ai ai ai. – Fui reclamando enquanto ele me puxava. – E seu carro?

- Olhe para o tamanho desta cidade, amanhã eu venho busca-lo, droga.

- Grosso.

- Whatever.

- Verdammt! – Gritei irritada e finalmente consegui sua inteira atenção. Não que eu a quisesse, claro. 

- Então a Patricinha do Acre sabe falar alemão? Eu não sabia que entre os índios existia civilização. – Crixus riu, continuando a me puxar, obrigando-me a desviar displicentemente dos buracos das ruas estreitas daquela cidade pequena.

- Só porque eu vim de uma fazenda – E não do Acre - Não significa que eu não possa saber alemão, e só para constar... – Levantei o dedo indicador. – Não existem só índios no Acre, seu cretino ignorante! – Levantei o dedo do meio -  Eu não sou patricinha e não sei alemão. – Levantei o dedo anelar. – Se eu pudesse escolher entre você e os índios...

- Deixe-me adivinhar. – Ele parou. - Você escolheria os índios... É uma pena que você não tenha escolha, chegamos. – E então ele me puxa para o lado de dentro da cerca quase caindo aos pedaços.

Eu não sou daquelas pessoas que reclamam, mas qual é!

Para o "melhor dos melhores" aquela casa estava um balaio de gato.

Pau de galinheiro.

Chiqueiro.

 

Ninho de ratos.

Cafofo.

Ou simplesmente uma bagunça.

Meias, cuecas, camisas, gravatas... Crixus usava o chão de guarda-roupa. E o guarda-roupa de geladeira, pelo visto.

- Meu deus...

- Não diga nada. – Ele pediu. – Eu não tenho visitas há algum tempo então...

- Então você virou um idiota porco preconceituoso e ignorante... Tudo bem, eu só ficarei naquele hospital por trinta dias. – Disse e ele me  olhou com as sobrancelhas arqueadas.

- Isso se você não preferir ficar. – Ele riu novamente.

- Você quer que eu fique?

- Não! O que?! Não! Eu só disse que... Enfim. – Ele bufou e parou de inventar desculpas. – Você dorme aqui até amanhã, mas vai a pé até o Miway Medicine.

Concordei.

- Eu posso ir embora ainda, se quiser, eu realmente não quero atrapalhar, apesar de você merecer...

- Não está atrapalhando. – Sorri. – Ainda.

- Whatever...

- Quer parar de usar minhas gírias? – Ele disse caminhando até uma parte da casa que eu não conhecia.

- Que eu saiba você não patenteou nenhuma gíria... – Cantarolei e ouvi um "Whatever" seguido do barulho do chuveiro sendo ligado.

Tirei o casaco e me vi novamente de lingeiries azuis, em um tom escuro, e procurei por algo que pudesse vestir.

Depois de vasculhar mil roupas que pareciam estar a semanas sem lavar, achei uma camisa e um short bem largo que definitivamente cheiravam a Rexona.

Os vesti e assim que me virei bati em um peitoral molhado.

- Ei, eu vestiria essas roupas.

Foi impossível não descer o meu olhar até onde sua toalha estava.

Bem presa a sua cintura.

- Olha eu...

- Tudo bem, eu me viro. – Ele me empurrou e passou por mim, vasculhando  por roupas para ele.

Bufei.

Minha cabeça começava a girar e eu me perguntava o que fazia ali, na casa do médico que eu poderia ferrar no final do mês, na casa do lindo médico que eu poderia também salvar, no final do mês.

- Ei. –  Ele estava em minha frente.

- Ah, oi. – Disse.

- Vem. – Ele disse apenas e voltou a apertar o meu braço.

- Ai. – Resmunguei.

 Ele parou e olhou para o meu braço, que agora tinha uma pequena marca de seus dedos.

- Desculpe.

- Tudo bem. – Sorri para ele e ele me devolveu uma careta.

- Pare de sorrir, não quero felicidade perto de mim. – Ri.

- Tentarei parecer um pouco mais miserável... mais como você. – Retruquei.

- Língua afiada. A rebelde do Acre. – Sua risada sarcástica surge novamente.

- Pare de dizer que eu sou do Acre. – Bati em seu ombro.

- Pelo visto a preconceituosa é você. O que tem contra o Acre, não gosta das suas origens?

- Não tem nada a ver com isso, só não é verdade. – Cruzei os braços.

- Venha, vamos dormir. – Ele bufou.

Abriu um espaço no chão e se deitou ao meu lado. Encarando-me.

- Boa noite.

- Boa noite.

Virei para o outro lado.

- Não encoste em mim. – Avisei.

- Aaaah. – Ri e ele também.

- Boa noite, Doutor.

- Boa noite, Supervisora. 

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