Capítulo 2

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          Tresham se jogou para fora da cama. Um lobo entrou por sua janela aos saltos, quebrando a madeira que a fechava. Parecia um demônio. Dentes do tamanho de um dedo de criança, pelugem acinzentada e imunda, um cheiro de morte vindo da sua boca, sob o eco de um rosnado estridente, babando um líquido gosmento esverdeado. Sua pelugem negra camuflava-se na escuridão do cômodo, e dele somente os olhos acastanhados eram vistos. A única fonte de luz era o risco prateado do luar que entrava pelo rombo na janela. De Tresham mesmo viam-se apenas os olhos avermelhados reluzentes, como dois pequenos vagalumes escarlates dentro de uma caverna, quando ergueu-se de trás da cama com sua espada em mãos. O risco de luz da lua deitou sobre a longa lâmina e reluziu pelo quarto, junto ao clarão do relâmpago afora.

          Ele encarava o lobo sem medo. Ambos rosnando ao mesmo timbre, curvando-se em posição de ataque. Sua espada eriçada para o alto, cortando a luz do luar com sua ponta. O lobo, com suas garras saltando para fora dos dedos...

          Então o animal saltou para atacá-lo. Seu corpo revestiu a luz da janela e transformou o cômodo novamente em penumbra. Tresham o bate com sua espada, levando-o um metro mais à retaguarda, e se afastou da cama para ter mais espaço para seus golpes.

          Estava de costas para a porta, então... SPLOF! A porta se estilhaçou em mil pedaços. Outro lobo surgira do corredor em frente ao quarto, quebrando a velha porta em uma única cabeçada. Sua pelugem era mais escura que a de seu parceiro, a sombra do corredor chegava a devorá-lo e fazê-lo invisível a olhos comuns. Era visto, porém, quando os relâmpagos e trovões explodiam ao céu, em entrada triunfal para sua invasão.

          Os dois foram correndo na direção do guerreiro. O que veio da porta saltou para ele com os dentes à mostra e as garras surgindo entre a pelugem cor-de-noite. Ao que Tresham o derrubou com um golpe de espada forte abaixo do focinho. O da cama veio rápido e tentou abocanhá-lo. Mas Tresham se virou e tudo o que o lobo mordeu foi a sua espada. O lobo acabou caindo no chão e sendo arremessado contra a parede. A armadura estava posta sobre uma cômoda ao lado paralelo à janela, reluzindo-se pela fresta prateada da lua; houve-lhe tempo apenas para apanhar o protetor de cotovelo e fazê-lo de escudo para os próximos ataques.

           Outra vez tentaram mordê-lo, aos saltos e rosnados. Ao primeiro, Tresham o socou com a armadura e o arremessou com força contra o chão. Ao segundo, pôs o braço na frente do seu rosto, e só o que o animal mordeu foi o pedaço da armadura. Seus dentes fincaram-se no metal, entortando-o até ficarem presos. Tresham teve de chacoalhar com força para os lados até desprender suas presas e arremessar o animal num impulso tão forte que o jogou para fora da janela.

          O outro saltou bem alto, roçando sua costa peluda sob a parede, abrindo-lhe a boca num bafo fervente. Esticava ao máximo suas patas para abraçá-lo num ataque dilacerante, com o luar derramando-se junto a tempestade para dentro do cômodo, iluminando aquele enorme tufo preto de pelo. Ao estrondear de um clarão, pôde-se perceber quão grande era o animal, devia ter um metro e setenta quando estava sobre as duas patas traseiras. Tresham teve de soltar sua espada quando o viu se aproximar. Pegou-o pela garganta com a mão sem a armadura, enquanto ainda no ar, e o espremeu contra o chão numa força violenta que o zonzeou. O animal estrebuchava querendo se soltar, uivando alto feito uma besta. Então ele o ergueu para o lado e o arremessou pela janela também.

          Rapidamente, Tresham vestiu sua armadura nos braços e tampou o rosto com seu pano. Depois saltou também pela janela, vestindo ainda sua roupa azulada de dormir, com o prateado reluzindo em seus braços enormes, o grande pano escurecido tampando-o a face e dançando pela forte ventania da tempestade. Sua espada estava mais uma vez ao seu domínio, bem firme com suas duas mãos segurando-a no cabo.

As Viagens de Um Vagante PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora