Capítulo 2

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          A uma varanda a céu aberto ele fora levado. Raios de sol caiam fúlgidos sobre eles, e a larga mesa de toalha branca em seu centro reverberou seu brilho para as demais arestas. Era uma bela manhã. O vento ao topo da montanha era forte, e um ar gélido e saboroso os vinha; em uma saudável mescla de calor e frescor. Duas únicas cadeiras prostravam-se ao lado da mesa, ainda que quatro soldados o rodeassem para guardar a vida do seu senhor. Na mais confortável delas, o rei estava sentado; um babador preso em seu pescoço, e as mãos gorduchas apanhando os bolos, pães, sucos, vinho e todos os demais manjares que preenchiam a superfície do banquete matinal. Já o segundo assento estava vazio, no outro lado, e não foi preciso esforço para entenderem a quem ela pertencia.

          Tresham entrou na varanda, e sozinho foi até o rei; os soldados parando de segui-lo e dispersando-se pelas laterais para ampliar o número da guarda. O rei devorava uma fatia de bolo de morando naquela hora, cujo recheio — em tons açucarados de caramelo — escorria pelo seu queixo papudo.

          — Ora, enfim resolveu aparecer — exclamou de cumprimento ao guerreiro; farelos de bolo mal mastigado saltaram-no da boca ao falar. — Dormiu bem? — Nada o foi respondido senão o silêncio. E não gostou disso. Mas preferiu ignorar e prosseguir: — Está com essas mesmas vestes há um tempo, posso mandar que meus homens o tragam roupas novas enquanto lavam essas.

          Tresham antes de tudo analisou as laterais, os soldados, o vento, o céu... A tudo. Primeiro tinha de ter certeza de que não corria perigos, nem que vinha caminhando para uma armadilha. Após perceber que não o era, respondeu apenas:

          — Eu passo.

          O rei parecia diferente. Ainda o tratava com superioridade e arrogância, porém um leve toque a mais de esdrúxula simpatia.

          — Sente-se — o disse. — Essa cadeira é para você. — E apontou para ela.

          Tresham não se moveu, e tampouco disse algo. Ficava apenas parado o encarando. O rei se intimidava por isso, porém jamais o demonstraria.

          — Não está com fome? — continuou-o. — Temos muita comida, pegue o que quiser.

          A isso, Tresham pensou e disse:

          —... Têm essência de unicórnio?

          — Mas claro que sim. Sente-se, deixe-nos servi-lo.

          O rei estalou os dedos para seus criados encolhidos na parede, e logo começaram a servi-lo.

          Mas Tresham continuava em pé.

          — Sente-se, guerreiro. Será melhor assim. — Havia um sorriso (falso) no seu rosto, mas sua fala soava como uma ordem. Tresham não se moveu. Assim, o rei percebeu que ele não aceitaria desaforo, então mudou a maneira de tratá-lo para um tom mais amigável. — Eu o insisto. Sente-se. Assim não terei que ficar esticando o pescoço para olhá-lo. Ficaria mais fácil para mim. Poderia fazê-lo?

          Alguns criados — vestidos em seu avental branco — deitaram uma taça de vidro sobre a mesa, em frente ao guerreiro e o despejaram sua essência de unicórnio. Tresham pegou a taça quando partidos todos do seu lado — e quase a quebrou quando a teve sobre suas mãos pesadas — e tomou-a tudo num só gole. Era uma bebida forte, arisca; o rei ficou assustado ao vê-lo tomá-la como quem estivesse tomando água; ficou sem saber o que dizer, por um tempo passou só o encarando abobado.

          — Gostaria que te entregássemos mais, guerreiro?

          Lentamente Tresham o olhou, e suspirou, em seu típico rugido.

As Viagens de Um Vagante PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora