Capítulo 9

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          Tresham e o homem persistiam em sua marcha velocista. Velozes tanto quanto seus pés os permitia, eufóricos quanto um animal em meio a selva.

          — Logo ali — apontava o homem. — Logo ali...

          Um penhasco havia à frente, tão fundo e profundo que o chão não era possível ser visto; um sussurro tornava-se eco em sua imensidão, um grito tornava-se um coral, um salto tornava-se um voo para o infinito. Uma neblina branca cobria a imagem de baixo, visto que nuvens podiam ser encontradas em sua orla.

          — Quando chegarmos perto — Tresham o instruiu, amansando os passos para permitir que o homem o acompanhasse — pule o mais alto que puder para o penhasco.

          — Ficou louco? — foi a reação do homem. — Vamos morrer no abismo. Do que adianta lutarmos tanto se para morrer ao vento e às pedras?

          Ao que Tresham educadamente respondeu:

          — Apenas pule, covarde!

          Foram se aproximando do penhasco a passos largos. Os lobos chegavam mais perto. O precipício estava logo adiante.

          Após o abismo havia alguns pilares gigantescos de rochas a muito distantes, como dedos de gigantes de pedra há muito mortos saltando para fora do solo profundo. Sobre eles Tresham lançava seu olhar, e ideias perpassavam-lhe à mente.

          Os lobos se aproximavam mais do seu cangote. Tresham  vez ou outra lançava algumas da suas poções explosivas para trás quando os percebia demasiado próximos para um ataque. Então fogo se alastrava pelo chão, estrada se abria diante deles, e mais próximos se encaminhavam para a beira do penhasco.

          Os animais saltavam sobre as chamas, ainda que rangessem e se doessem pelo susto. Nada os parava por completo. O abismo estava logo a minuciosos metros de se acabar. Quando, a pouco de serem mordidos, Tresham tomou impulso e gritou ao homem:

          — Agora!

          Os dois saltaram ao vento. Vários lobos foram atrás deles, e por sorte, e apenas por ela, nenhum dele os mordeu.

          O homem não teve tanto impulso infelizmente, pois frágeis eram suas pernas humanas. Não demorou para logo começar a cair e sentir as garras d'A Morte puxarem o seu pé para o profundo da escuridão. Tresham, por outro lado, parecia voar, tão alto era o seu pulo; mais forte que os lobos, mais para o céu que as nuvens. Não em vão, tomou o homem pela mão quando ainda ao ar, arrastou-o para junto de si no salto colossal e fez com que juntos os dois avançassem para o horizonte, como pássaros que voassem sem asas, como se invés de cair para baixo caíssem para a frente.

          O vento batia em seus corpos tentando empurrá-los de volta de onde vieram; para o homem ficou até rarefeito a respiração. Os pilares estavam longe. Não parecia que iam chegar até eles, ainda que cada vez mais próximos estivessem dos dedos de pedra, e mais distantes se encontrassem do penhasco à retaguarda. Até que Tresham — em mais uma das suas habilidades de surpreender — apanhou sua espada e a fincou no primeiro pilar de rochas, quando, agora, já próximos o suficiente para isso. Foram caindo pela força da queda então, a lâmina deslizando pela costa do pilar, derrubando vários pedaços de pedras em suas cabeças, forçando a parada súbita. O homem não achou que fossem conseguir.

          Mas bem ao fundo Tresham cravara a sua lâmina, e força havia em seus dedos. Enfim, em golpe drástico, conseguiram se prender no pilar, a queda sendo interrompida num piscar de olhos. O guerreiro segurando firme o pulso do seu companheiro de guerra para que ele não se desprendesse da sua força. Com a mão direita segurando a espada e com a esquerda, o homem. Os lobos que saltaram atrás deles não tiveram a mesma sorte e caíram todos para os confins do abismo, sem que conseguissem chegar a três metros de onde estavam. Tresham então balançou o homem para pegar impulso e o jogou ao topo do pilar, sem avisá-lo — o homem gritou de susto — depois foi escalando até também chegar ao topo ali se protegerem das garras bestiais.

          Quando olharam do pilar o precipício à frente — tão longe que parecia impossível que tivessem conseguido saltar dele e ainda sobreviver — perceberam que estavam rodeados por lobos; à ponta do abismo os animais ficavam só à espera pelo momento em que eles saíssem de lá e voltassem para a terra de suas casas. O pilar jazia a dez metros de distância... A dez metros da fúria daquelas coisas...

          — Acha que nos alcançam? — o homem o perguntou.

          Os lobos se afastavam para tomar impulso e pulavam tentando chegar ao pilar. Nenhum conseguia. Morriam todos na queda, pois, sim, dispostos estavam a morrer se para matar conseguissem...

          E Tresham respondeu:

          — Com certeza.

          Um segundo lobo tomou impulso, correu pelo penhasco e saltou dele. Seis metros ao vento ele voou... Até sua força se perder e para os confins das trevas ele cair rangendo.

          — Acha que minha família conseguiu escapar? — O homem estremeceu, assim, em temor, entendendo que agora a salvo estava.

          — Depende. Seu cavalo é rápido?

          —... M-Mais ou menos.

          — Então acho bom começar a orar de novo. — Disse-o mais por provocação do que por verdade.

          — Então não podemos ficar aqui. Temos que ir ajudá-los. Minha filha... Meu filho... Minha esposa...!

          Tresham o olhou com a sua ira costumeira em resposta. Mas nada disse. No fundo, sabia que ele estava certo em se desesperar. Assim, tomou impulso e saltou de retorno ao precipício sem avisá-lo, voltando a voar contra o vento, atacando os lobos com sua espada que também saltavam contra ele. Uma avalanche de batalhas acontecidas no céu, onde espada cortava carne, e garras se enfureciam arranhando o metal da sua armadura. Sangue choveu sobre aquele abismo, pelo duro e velho se desfez ao vento... Nenhum deles foi páreo para a força do guerreiro.

          Chegando ao solo do precipício sem um único arranhão, Tresham saiu correndo para longe, com alguns lobos ao seu encalço. Não muitos o seguiam, porém, visto muitos também permaneceram ali ao precipício tentando saltar até o homem.

As Viagens de Um Vagante PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora