Capítulo 3

140 9 143
                                    

          Naquela tarde ele desceu à mata e se infiltrou nela. Avisaram-no que era perigoso, mas o que na sua vida não era?

          O sol ainda raiava na entrada, porém a cada passo que andava para o seu interior mais escuro a flora viva vinha se tornando. As árvores eram belas, vez ou outra se deparava com alguns animaizinhos fofos saltitando nos arbustos; havia bastante verde, as flores exalavam boa harmonia. E Tresham sempre olhando para os lados como quem procurasse perigo embaixo de alguma máscara mentirosa. A desconfiança brilhava nos seus olhos, e não por em vão.

          Conforme os metros que ia avançando, o verde tornava-se mais escuro; os bichinhos fofos de há pouco trocavam lugar para carcaças mortas e fétidas, as tripas saltando para fora do estômago; as flores antes belas murchavam e retorciam o quanto mais distante percorresse, morrendo todas de intoxicação; o ar ficava mais pesado. Chegou num ponto que o verde já não existia, e a cor predominante era o preto sórdido da morte ou o cinza escuro das queimadas que aconteciam na floresta. Uma atmosfera amarga vinha daquela região. Seus pulmões já se viam acostumados com isso, era óbvio, mas sabiam também que estes nunca eram bom sinal. Encontrava-se em um canto distante da floresta, o reino do qual vinha era já menor quando olhava para trás. Tresham caminhava lentamente, com calma, analisando cada milímetro. Seus passos faziam barulho pisando em folhas e galhos secos em cracs estúpidos que delatavam a sua vinda. E sussurros vinham de longe, e já não era mais os do vento, mas de bocas verdadeiras que entoavam em línguas diversas.

          A luz vinha pelas frestas das árvores que, unindo-se uma à outra, faziam da folhagem um teto contra a luz do sol; o que dificultava sua percepção das armadilhas abaixo da natureza. Os próximos cracs ribombaram, e aconteceu da sua fúria se prolongar. Seus pés pisaram sobre um dos montes de folhas caídas e uma corda esticada entre as árvores — fina de parecer invisível a olhos comuns — acionou projeteis próximos. Uma armadilha engenhosa. Ora, a corda acionou um mecanismo de uma besta presa escondida entre galhos de árvore média e uma flecha fora disparada contra seu rosto.

          Sangue só não fora derramado porque sua mão dominante deitava-se sempre sobre o cabo da espada, então veloz, apenas de ouvir o assoviar da corda da besta se atirando, ele conseguiu apanhar sua lâmina para fora da bainha e cortar a flecha a um milímetro de atingi-lo. Tudo em frações tão rápidas de tempo que nem mesmo ele saberia dizer quanto tempo fora. Mas não era aquele o único problema, a besta fora posta por algum ser das redondezas, e a armadilha chamou vários monstros para perto do seu corpo.

           Cães gigantescos saltaram sobre ele; a pelugem acinzentada e gosma verde saltando da boca. Eram apenas dois, por sorte, porém robustos e assustadores de parecerem uma multidão. Mas, ora!, Tresham era já treinado no combate de cães, e conseguiu abatê-los com golpes macios da sua espada, cortando as suas patas e as cabeças antes que o dessem a primeira mordida de abatimento; seus corpos caíram sangrentos sobre a grama morta tão rápidos quanto haviam saltado para fora dela.

          O impasse maior estava para vir depois, então, pois ursos vieram da floresta em toda a sua robustez e grandiosidade, caminhando sobre as patas traseiras conforme empunhavam as garras das patas dianteiras para novo ataque. Se não obstante, eram além da constituição comum da espécie, e sua pele era escura como de carne morta, rimando com as inúmeras feridas abertas espalhadas pelo corpo e a baba verde saltando pela boca; a carne esculpida de um verdadeiro morto-vivo, de um ser que já não deveria estar mais caminhando... Mas estava.

          Ao primeiro que o chegou, Tresham o cortou os braços conforme tentava lhe atacar, depois o seu pescoço. Ao segundo, desviou do ataque das suas garras, pegou impulso numa árvore, saltou sobre seu pescoço derrubando-o no chão, reergueu-se com pressa e o fincou a espada na cabeça. Quando mortos, o impasse a substitui-los veio-lhe em molde inesperado. Mais alguns coelhinhos zumbificados assim vieram tentando lhe atacar. Mas estes não mereciam nem mesmo o esforço do seu tempo, e Tresham derrubou-os num jogo zombeteiro. Apenas os cortava com sua lâmina enquanto estivessem ainda no ar pelos seus pulos enormes. Todos morreram. E carne fétida de urso, coelhos e cães da floresta zumbificada exalou odor podre pelas arestas.

As Viagens de Um Vagante PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora