Capítulo 6

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          Tarde fora o tempo em que abriu os olhos, num susto, em súbito, sentindo nas partes dormentes do corpo a longevidade de horas passadas. Um tempo considerável, preocupante, que muito o inquietou.

          Escuro era o lugar em que estava, sem luzes tantas que o iluminassem além de frestas por entre as pedras das paredes. Não foi necessário análise minuciosa para que entendesse onde estava: o fundo da caverna para a qual ele tanto havia lutado para entrar; seus inimigos o haviam levado para ela. O que de início até lhe pareceu estranho, mas depois o fez sentindo, quando, ao tentar se erguer, fora puxado para trás com toda a força em um bruto movimento de correntes. Correntes feitas de ferro fundido, presas desde o ventre de rochas pardas da sua retaguarda, que se prendiam em torno dos seus pulsos. Por mais de uma vez ele as moveu para ver se conseguia se desprender delas, mas elas não se moveram além do esperado, e ali, parado, ele resolveu ficar.

          Sua armadura ainda o vestia, ele viu, sob o fundo fosco de luz prateada de lua cheia que penetrava nos confins da caverna. E assim também sua máscara lhe cobria o rosto. Não lhe haviam removido nada do corpo, à exceção da sua espada e suas poções, que já não estavam mais consigo, pela mais óbvia das razões. Pelo que conseguia entender, o inimigo não se importava com o seu corpo nem com o mistério que o morava embaixo daquele pano fétido.

          E que bom que assim o era...

          Seus olhos, já obscurecidos pelo ódio em tons cinzentos de vermelho-sangue, rodopiaram por toda a periférica, à espera do temor de um ataque. Seu respirar fazia eco, tamanho o silêncio que por ali pairava; de longe ecoava o som de gotas de algum líquido caindo numa poça, que claramente, pelo seu peso, não era água, mas algo gosmento e de cheiro incomum. O chacoalhar da sua armadura fazia do metal batendo em metal ressoar como trovões por toda a caverna.

          Com seu vozeirão grave ele berrou por alguém, e mais pareceu um rugido do qualquer outra coisa. Sua voz foi ecoando pelas arestas, mas logo ela foi sumindo e o silêncio, retomando sua força.

          A solidão estava por todos os lados.

          Tresham estava sozinho.

          Talvez por horas viu-se obrigado a esperar, sem nada a fazer, sem nada falar, até que das paredes um novo som ressurgisse e ecos de mil passos marchassem para o seu encontro. Tresham convulsionou entre as correntes para se erguer e se firmar em contra-ataques. E soldados, enfim, surgiram de todas as latitudes possíveis, entre as pedras e as arestas vazias. Homens e animais embebidos em líquido verde pútrido, e dos olhos incolores, empalidecidos, como corvos cegos que apenas farejam o odor de carne viva. O luar pairava sobre eles, recaia sobre seus corpos; tons prateados de luar sobre tons pretos de carne morta.

          Quando próximos o bastante, para lhe remover a paz e a tranquilidade — se era que alguma ainda o existia — eles pararam o seu caminhar e o penetraram com os olhos, direto para o guerreiro, sem jamais piscar, sem jamais dizer palavras ou ressoar qualquer tipo de resmungo; estátuas de carne e metal e pelos, estagnados na contemplação daquela coisa que se acorrentava perante eles. De cima, de baixo, de andares elevados da caverna o viam. E Tresham também nada os dissera, pois sabia que não era com eles que deveria direcionar o rugir da sua voz.

         Passos então começaram a vir entre os mortos; passos tranquilos, um por vez, mais pesados que os dos demais. Soldados e animais começaram a abrir caminho para aquele que o caminhava; corredores de carne, que jamais piscavam, nem jamais caiam. Do ventre da caverna ele vinha, sempre abrindo-lhe espaço e retornando par ao sue posto para esconder a passarela da caverna. Com exceção dos últimos, que deixaram espaço aberto para o seu líder.

As Viagens de Um Vagante PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora