Capítulo 9

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          Ora, a aparição de tantos dos meio-centauros e queenzels não fora em vão, visto que havia carroças inúmeras estacionadas por algumas ruelas próximas. E fora sobre uma delas, em sua traseira — para a maior que tinham — que levaram Tresham e o lançaram desleixado sobre uma pilha de feno picotado. Seus inimigos bem que desejavam arremessá-lo com euforia assim como costumavam fazer com os demais contra-atacantes que vinham encontrando cada vez mais pelo decurso da cidade, mas Tresham era pesado demais para que o conseguissem, e fora o próprio guerreiro que subiu sobre o feno e se sentou no encosto da carroça; assim, sem teto que o cobrisse, direto à luz do céu, ele esperou que os demais capangas de Patas de Brasa o rodeassem, e também esperassem pela partida. Fora com forte açoite que o copeiro estalou o seu chicote e fez os cavalos presos à carroça os levarem sobre as ruas e os forçar a perquirir para as demais ruelas da cidade.

                                                                 ...

          A viagem foi mais entediante do que aparentava, porém. Algumas horas só ouvindo o trotar dos cavalos e se encarando com aqueles homens através dos pequenos furos do capuz, Tresham nada fez além de esperar; ouvindo de relance Patas de Brasa cuspir sobre a lâmina da sua espada e limpá-la com um pano velho que carregava. Vez ou outra bem que sentia os pneus confrontarem um caminho cheio de pedras e buracos, que proporcionariam um bom momento para contra-ataque por parte de outros guerreiros, o que Tresham só não fez porque ainda não considerava ser o momento correto, nem mesmo quando houve forte vento, ou quando o pneu se afundara em uma poça de lama por alguns instantes. O sol descia forte e ofuscava os olhos sensíveis de alguns, mas Tresham nada fazia, apenas esperava. Se ele ansiava pelo milagre ou pela morte, ninguém jamais saberia dizer. O que era digno de temor, visto que pior que uma fera que corresse enlouquecida, era aquela que nunca anunciava o que faria. E este era o homem com mais de dois metros de altura ali ao lado; tão vasto que seu corpo parecia de mármore; tão grandiloquente, que sequer parecia real.

          Quantos foram os grãos escorridos desde a saída da cidade até o instante em que a carroça parou, nem seis ampulhetas saberiam mensurar. Porque longo fora o trajeto, até que o próprio ar se mostrasse diferente; agora mais puro, mais agreste; o odor de grama úmida penetrando com leveza as suas narinas.

          E, ora, a carroça havia parado em súbito. De maneira que os pneus rangeram em sua madeira velha, e a traseira inteira do veículo rebolou para a esquerda e para a direita. O copeiro devia ter puxado as rédeas até as alturas, pois as éguas relincharam com fúria, conforme erguiam suas patas para desacelerar o automóvel.

          Não foi necessário que Tresham visse por através do gorro para compreender que havia sido levado para campos distantes da cidade. Pois, os sussurros das inúmeras carroças, ou os berros das crianças que ora ou outra eram encontradas correndo brincando pelas ruelas haviam há muito desaparecido, léguas atrás, quando o próprio clima parecia mais árduo e menos cinzento em seu nublado. Porque não grosso era o tecido do gorro, e, certamente, nada áspero para os ouvidos de um guerreiro, de maneira que Tresham analisara por inteiro o caminho que percorrera, desde as regiões por onde passara, até os sons que ouvira durante o trajeto. E juntos mostraram-no ter saído para caminhos que não conhecia.

          E de repente só o que sentira fora a carroça parar e mãos peludas tomarem suas axilas e forçarem-no a se levantar. Foi com extremo esforço que tentaram empurrá-lo para fora da carroça, e quando viram que não tinham forças para tal, logo rangeram dentes, e o disseram:

          — Vamos, verme, saia logo daí, e desça de uma vez!

          O que Tresham acatou, não porque os temia, mas porque o desejava. Afinal, a carroça era descuidada e sua lombar doía pelo trajeto.

As Viagens de Um Vagante PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora