Capítulo 12

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          À tardinha pós-alvorada, todos se arrumavam à sala da casa; as paredes sujas de sangue e barro enfeiando-a, mas as janelas e as portas escancaradas trazendo frescor de vento brando e luz dourada de um sol alegre.

          A mulher e seu marido sentavam-se no sofá da sala para ela lhe fazer um curativo no ombro, enquanto Tresham jazia a olhá-los pelo corredor de entrada em profunda admiração por eles. Estavam todos sorrindo alegres agora, aliviados, pois, estando pelo término do perigo. Suas pupilas de guerreiro os contemplavam embranquecidas em sinônimo de paz, contente sentindo-se por, apesar de tudo, ter vindo encontrá-los e salvá-los. Podia não ter recebido dinheiro algum pelas últimas lutas, mas agora, vendo-os, sentia que já havia tomado a maior das recompensas.

          Mas nada ele os disse. Calado havia vindo e calado dali partiria. A garota sumira para dentro do seu quarto e por lá permanecera pelas últimas horas, o rapaz, seu irmão, fora colher os últimos grãos que tinham no estoque para cozinhá-los qualquer sustância que tivesse em sua conhecimento e reafirmá-los em sua força. Assim, sem avisos ou acenos, Tresham retirou-se da casa, temendo que se por mais segundos ali permanecesse talvez não desejasse retornar para a estrada. Por sorte, sua estima era maior que seu sentimento, e conseguira partir. Para fora seus pés o levaram, sem estrondo de porta se fechando para se anunciar partindo.

          A família estava a salvo, e nada mais importava.

          Com passos largos e pesados ele abriu a porta e fechou-a após se retirar. A pequena estrada para o portão da fazendo ele caminhou. E só então, quando já próximo da saída da fazenda, que ouviu uma vozinha cair sobre seus ombros, e dizê-lo:

          — Pode ficar se quiser.

          Era a garotinha. Reconheceu-a antes mesmo de olhá-la.

          Ele virou-se para ela em sua ríspida ternura, e a mentiu, tão verdadeiramente que até ele quase acreditou:

          — Mas não quero ficar.

          Apesar de bruto, havia carinho no modo com que a tratava. E ela percebia isso.

         — Vou vê-lo outra vez? — então perguntou-o. Só de pensar que não, ela já parecia querer chorar.

         — Para o seu bem — ele respondeu — espero que não, pois não bons finais têm aqueles que marcham ao meu lado.

         O vento soprava com força o cabelo da menininha e a capa aos ombros de Tresham, dançando-os ao vento que pareciam querer voar para o além. E o sol, como o ânimo da família, raiava em gracejo e resplandecia sobre as faces da armadura do guerreiro.

          — Diga para seu pai nunca mais me procurar — ele a entoou, por fim.

          Então deu-lhe as costas lentamente e continuou a caminhar.

          Mas ela também avançou alguns passos e o disse em alto e bom som, com um toque sutil de timidez:

          — Obrigada. — Aquilo o fez parar de andar, pois raras eram as vezes que alguém o dizia com tamanha ternura. — No fim, eram as lendas verdadeiras. Você é sim, um herói. Pelo menos ,para mim é, e não importa o que diga.

          Muitas palavras já o foram ditas por diversas pessoas e por inúmeras vezes, mas nunca daquela maneira tão inocente e verdadeira. Menos ainda, palavras tão graciosas. Aquela voz pura o adoçava os ouvidos e fazia da sua alma menos enraivecida como de costume. Se ele era um demônio, ela parecia ser um anjo.

          — Não me agradeça — ele entoou — porque eu não queria sequer vir. Agradeça ao seu pai, pois foi ele quem me forçou a vir. Se os salvei foi porque ele me obrigou.

As Viagens de Um Vagante PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora