Capítulo 3

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          Partiram para a fazenda do homem naquela mesma noite, abaixo da tempestade e dos trovões. Os relâmpagos iluminaram seu caminho e os trovões espantaram os males das sombras. Não lhes houve dinheiro para comprarem cavalos ou carroças, seus pés tiveram de doer e se lambuzar no lamaçal do caminho até chegarem ao seu destino. Afastaram-se das cidades e do comércio. Dias de viajem, viradas de lua e sol. Porém, tão nubladas eram as manhãs que viravam as alvoras irmãs distantes dos crepúsculos. Por vezes acordavam na madrugada e dormiam pela manhã. O sol começou a vir-lhes quando contornaram o caminho da próxima cidade e se cobriram pelo banho solar que os deitou forte logo pela manhãzinha.

          Conversa foi algo quase que inexistente pelo trajeto. Tresham não escondia sua fúria pelo que o homem o tinha feito. Nas fogueiras da madrugada eram os momentos que mais se via a ira nos olhos flamejantes daquele suntuoso guerreiro prateado.

          A civilização os abandonou após quilômetros. As muitas casas e bares foram trocados por uma casa a cada um quilômetro e vastos campos de gramas altas. Isso quando tinham sorte de encontrar alguma casa. Tiveram de acampar sobre a grama e sobre o barro quando a noite densa chegava mais cedo. As fogueiras eram formadas pelos gravetos que vieram trazendo nos bolsos e nas mãos durante todo o trajeto, e a fagulha, criada pelo encosto das unhas de Tresham com a lâmina cintilante em sua mão. Altas colunas pretas eram construídas aos seus arredores pela noite. As chamas faziam as madrugadas mais escuras do que já eram.

          Nesses momentos, era fácil de acontecer do homem acordar de repente por algum sonho nauseante, e ver Tresham de pernas cruzadas, com a espada dormindo sobre seus joelhos, a mão direita segurando o cabo da espada, com os olhos fixos no interior das sombras. Uivos sopravam dentro da escuridão. Podiam sentir os lobos os rodeando. O homem era capaz de jurar que via alguns olhos brilhando dentro de todo aquele breu. Os uivos eram distantes, porém firmes; pareciam cafungar em seus cangotes.

          — É isto que sou obrigado a ouvir todas as noites desde que sai de casa — o homem sussurrava. Mesmo que os lobos pudessem vê-los, temia que suas palavras pudessem trazer-lhe a ira final e forçá-los a de uma vez matá-lo. — A maioria deles não deve ter conhecido minha família. — Um uivo mais próximo o parou os batimentos do coração por alguns segundos. — Geralmente tentam me atacar. Não para me matar, mas para me ferir. Então tenho sempre que estar correndo... Por que não nos atacaram ainda?

          — Porque viram o que eu fiz com seus irmãos. Estão em menor número. Têm medo de mim. Seguem-nos para sua casa, pois lá se unirão com os demais e assim estarão fortes o suficiente para nos atacar. Se queria afastar a guerra de sua família, saiba que nossa chegada será exatamente o que a levará para ela. — As lágrimas contornaram os olhos do homem, mas lutou para que não saíssem. — Agora durma. Preciso de silêncio para ouvi-los caso tentem algo contra nós.

                                                        ...

          A fazenda ficava distante, no meio do nada, embaixo de uma montanha. Foram cinco dias de viagem, quietos, sem trocarem quase nenhuma palavra.

          De não muito longe, quando já chegavam perto, o homem vira sua esposa e filhos os esperando à entrada da fazenda, ao mesmo tempo contentes e temerosos por aquela figura estranha fazendo sombra ao corpo de seu pai e de seu marido.

          A menininha correu logo aos braços do seu pai quando chegou, ao que este retribuiu-a com abraços firmes, erguendo-a ao alto e rodopiando em volta de si mesmo. Seu filho, por sua vez, veio em passos largos, menos agitados que da garota e também o abraçou. Quanto à esposa... receberam-se com um beijo de dois segundos, acalorado, sorrindo com numa troca de olhares.

As Viagens de Um Vagante PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora