Capítulo 6

44 4 19
                                    

           O tão desejado essência de unicórnio foi trazido para Tresham, enfim; pelo mesmo anão de há pouco, sem que sequer se desse conta da sua saída. O guerreiro o tomou direto do gargalo, em goles tão grandes que fez o homem, à sua frente, questionar a sua origem.

          — Você não é um humano, não é? — ele perguntou.

          No que Tresham terminou o seu quinto gole, e o respondeu, já um pouco menos amargo por conta da bebida:

          — Eu pareço um humano para você?

          — Oh, não... Com certeza não. Se ser humano fosse sinônimo da sua aparência e tamanho, então eu seria o pior dos humanos, isso posso afirmar. Mas como não é... considero-me abençoado.

          O homem bem que tentou ver o que havia embaixo da sua máscara enquanto Tresham tomava a sua bebida — e, para isso, erguia centímetros minuciosos do pano — mas nada soube ver; o mistério do seu rosto não somente não explicado, como ainda mais inflado.

           — Por que essência de unicórnio? — depois o perguntou, após breve silêncio. — Não julgando, mas quando vejo um homem, ou seja lá o que você for, do seu tamanho e força, não é em unicórnios que eu penso. Imaginei que fosse tomar algo mais denso, mais trevoso, como... essência de dragão ou de... de... trolls, entende?

          Tresham tomou mais um grande gole, e depois o disse:

          — Essas essências que você fala são ácidas demais. De dragões, trolls, lobos... São boas para momentos alegres, para nos amargar e nos fazer lembrar que a vida é dura e perniciosa.

          — E as de unicórnio?

          — São doces. Certas para momentos tristes, para nos fazer lembrar que a vida também pode ter um pouco, ainda que quase nenhum toque, de alegria.

          — Oh, então vasta deve ser a sua tristeza para tomar goles assim tão grandes...

          Tresham o respondeu não com palavras, mas com o olhar. Não era preciso ser um leitor de mentes para conseguir entender que ele afirmava o que havia sido dito. De repente, o homem se apiedou dele ao percebê-lo, e não sentia mais medo. E disse:

          — Peço desculpas pelo modo com que o tratei há pouco. Você só quis me ajudar e fui estupidamente rude. É que eu queria tanto aquela amalacã e foi difícil para mim perdê-la, e quando estou com raiva... Ora, me perdoe.

          Tresham o olhou, em silêncio... Depois tomou um gole da bebida... E nada disse... Era a sua maneira de aceitar suas desculpas. Permitir que um silêncio constrangedor pairasse sobre eles a cada frase ressoada era um conforto para a sua vida. Uma quietude, porém, que assolava o coração do homem e o inquietava; pois ele não parecia ser homem que suportasse silêncio.

          — Como disse que se chamava mesmo? — ele perguntou, então. E tomou um gole de rum do seu caneco de ferro.

          — Tresham — foi-lhe respondido. Seu vozear ainda mais grave e aterrorizante agora que tomava daquela bebida tão mística.

          — Ora, Tresham... Eu sou Jonathan. Prazer em conhecê-lo.

           Tresham não o devolveu a cortesia, mas também não a recusou. Antes, tomou mais um gole da sua bebida em silêncio, na sua maneira típica de demonstrar que concorda.

          — Parece ser alguém de muitas aventuras, Tresham. Seu subtítulo, digamos assim, é mais do que uma prova disso. Demônio da Água Negra — então saboreou. — O que significa, se é que posso perguntar?

As Viagens de Um Vagante PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora