Capítulo 4

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          Ao primeiro raio de sol, sons raivosos de marteladas atravessam as venezianas do quarto do casal, quase como se berrasse em seus ouvidos para que logo saíssem de suas camas. Acordaram esfregando os olhos tentando expulsar o sono das pupilas, e as remelas, das emoções.

          — Que é isso? — perguntou a mulher.

          — E eu lá sei — respondeu seu marido.

          Seus ouvidos, ainda tatuados com as marcas dos travesseiros, zumbiam pelo sono. O barulho que ouviam era algo semelhante a ferro batendo em madeira, ainda que não sabiam discerni-lo.

          Vestiam pijamas listrados, o casal, de tecido fino. À mulher, as listras eram rosadas, sobre um fundo branco. Ao homem, eram listras azuladas, sobre um fundo branco, porém, pela idade da roupa, beirando ao amarelado.

          As batidas não cessavam. Em vez disso ficavam mais altas e constantes. Caminharam juntos à janela de onde o som vinha com mais força, e logo a luz da manhã encandeou o cômodo e cegou-os. Suas mãos ergueram-se para o alto para esconder seus olhos de todo aquele brilho. Até que se acomodassem com a visão clara da alvorada levou minutos de espera. Só o que viu foi uma grande sombra trabalhando na frente de sua casa.

          Tresham cravava estacas enormes de madeira no chão, usando os próprios punhos como martelos e protetores de dedos para não se ferir.

          — O que ele está fazendo? — a mulher quis saber. Perguntou baixíssimo, para que Tresham de forma alguma a ouvisse.

          — Não faço ideia — o marido a respondeu. Pareciam ser as únicas palavras que ele conseguia dizer após acordar.

          Ficaram tempo encarando o homem a trabalhar, se indagando ainda sobre sua índole. Mas não eram os únicos acordados na casa. A filha do casal foi outra que não esperava a aparecer correndo em direção a Tresham, alegremente, erguendo um martelo de ferro com as duas as mãos.

          — Veja — ela exclamava, saltitante, para o guerreiro. — Eu o encontrei. Disse que sabia onde estava, só não me lembrava onde tinha colocado. — O martelo era pesado para seus bracinhos, por pouco não se desequilibrava e caia no chão.

            — O que ela faz já acordada? – a mulher exclamou, vendo dali de cima. Quando viu que a resposta do seu marido resumiu-se em um levantar de ombros, olhou-o com indignação e descrença, e disse: — O que ainda faz aqui? Vá logo tirar nossa filha do lado daquele... Sei lá o que ele é. Pode ser perigoso.

          — Claro, querida. Claro. Como quiser.

          Houve-o tempo apenas para vestir seu roupão e descer veloz a escadaria da casa. Saiu de pijama e tudo. A manhã era úmida, mas não tão fria quanto imaginara.

         A porta estava escancarada. Quando saiu e deparou-se com Tresham esmurrando a estaca com o martelo... Simplesmente não sabia como começar um diálogo com ele. Aquela figura musculosa e alta lhe dava arrepios.

          —... Bom dia para vocês... – ele os saudou, forçando-se a fingir uma animação que não existia. As palavras o saíram mecânicas e sem ritmo.

           A menina virou-se ao ouvir a sua voz e respondeu com sorriso.

          — Bom dia, papai. – A alegria nela existente era fofa e explosiva. De repente, estava com os braços envolvendo a barriga do seu pai, e ele acariciando nas costas quase como se a anunciar por estar ali.

          — O que fazem já acordados? O sol acaba de nascer, devia estar descansando para nossas tarefas à tarde.

          Tresham volume de áudio para respondê-lo. Estavam falando enquanto deviam estar trabalhando, isso era algo que o afastava da beleza no olhar.

As Viagens de Um Vagante PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora