Capítulo 2

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          Muitas pessoas em um mesmo confinamento poderia significar muitos perigos. E, para alguém como Tresham, uma lâmina voando em sua direção, ou uma flecha sendo disparada contra seu rosto, ou chamas brancas e escuras em convocação de magia profana não eram coisas absurdas de se acontecer. Não em vão que olhasse para todos os lados como quem esperasse de fato por um ataque, ansiando pela paz, mas esperando pela guerra, vendo cada rosto e cada olhar, além de ouvir cada voz e conversa que acontecesse próximo o bastante.

          Nenhum ser parecia encará-lo — por sorte — e sua presença realmente não era de interesse para nenhum deles; desde que havia salvado a família de Íris daquela horda de lobos que ele vinha se questionando se o temor pela sua corpulência e fúria não seria algo mais típico dos velhos, enquanto os jovens — destemidos como de praxe da idade — tampouco se importam se existiam homens grandes ou não por perto. O que mais confirmou sua hipótese, inclusive, fora a primeira conversa para a qual erguera seus ouvidos e prestara a sua atenção. Um elfo e um anão — aparentemente amigos de longa data — disputavam em uma guerra voraz para ver quem tomaria mais doses de essência de uva antes de despencar no chão.

            — Oho! — o anão então zombava. — Sua fada de orelhas pontudas, eu já me banhava em vinhos e cervejas antes mesmo de você nascer.

           — E como isso poderia ser possível — o elfo ria e questionava — se eu nasci dois séculos antes de você?

            O anão pareceu confuso pela resposta, e nada mais disse a respeito. A bem da verdade, já havia tomado tantas doses que nem mesmo sabia do que se lembrava; essência de uva era mestra em fazer com que seres se recordassem de dias que sequer haviam existido. Tresham poderia até mesmo ter achado graça não fosse todo aquele barulho de música alta e conversaria exacerbada.

          Então logo lançava seus ouvidos para outras mesas e procurava por novos entretenimentos. Muitas conversas ele ouviu; de amantes que se declaravam uns para os outros, de amigos que maldizem inimigos, de humanos que escarneciam da arrogância dos elfos, e de elfos que lamentavam a indecência humana... Tudo dentre tantas outras que seria tarefa árdua dizer todas. Mas houve uma, mais que as outras que o chamou da sua total atenção. A de um homem — um jovem humano — que dialogava com a mais bela mulher de todo o salão; talvez a mais bela mulher já vista em toda a vida de Tresham.

          Ora, em nenhum recanto do salão havia lugar em que conversas não fossem ditas, mas aquela — por alguma razão que nem mesmo ele saberia explicar — fora a que mais o chamara a atenção. O homem que falava com aquela tão linda mulher estava inebriado por sua beleza, e Tresham — logo percebeu — não era o único que lhes prestava a atenção indesejada das suas palavras; afinal, a beleza era algo destoante entre os dois, não que o homem não fosse belo ou cortês, mas a beleza da mulher mesmo que era além do comum. Ora, ela era uma amalacã, uma espécie outrora ligada à elfos e a seres que nasciam das árvores da própria terra, por todos ditos serem tocados pelos anjos e agraciados pelo Autor dos Autores. Não havia olhos que não a admirasse, nem boca que não a desejasse.

          Tresham olhou para as mesas à frente e viu um grupo de amigos humanos apostando moedas de bronze entre si, aparentemente criando uma espécie de competição dividida entre dois grupos; os que acreditavam que o homem conseguiria cortejá-la e ganhá-la para si, e os que acreditavam que não. Tresham faria parte deste último caso tivesse amigos. À esquerda deles, depois, encontrou uma dupla de jovens homens que riam pelo que acontecia, como se não acreditassem no que viam, e até mesmo conseguira ouvir um comentário por parte de um deles, que dizia:

          — Já é o oitavo homem que se senta perto dela. Nenhum conseguiu agradá-la até agora, ele realmente pensa que tem chance?

          Parecia impossível que tivesse, até que se olhasse com melhor atenção e visse que o homem fazia a amalacã rir, as orelhas pontudas de feérica subindo e descendo conforme gargalhava, e as maçãs do rosto se avermelhando conforme a devorava com os olhos, e ela o reciprocava.

As Viagens de Um Vagante PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora