Ao primeiro resquício de escuridão, sob a mescla de uma nova noite e os últimos raios de um sol vermelho, as árvores já se moviam entre as trevas, e os corvos ainda vivos, espantados crocitavam em alto voo direto para as margens do céu. Pois os exércitos dos mortos já marchavam para o confronto.
Dentro do castelo a correria era incessante. O rei, os chefes da guarda e seus mestres ordenavam aos soldados que se prontificassem em lados adversos do palácio, dentro e fora dos muros. Tresham, porém, só caminhava para analisar o que faziam, sem dizer palavra ou sussurro, chacoalhando o metal de sua armadura conforme caminhava, e sua máscara e capa remendadas com panos distintos que lhe entregaram a tempo.
Seus olhos pardos encaravam a tudo, e o rei era a sua mais pertinente observação. Pois o medo da morte iminente assolara com terror o coração do coroado, e não havia ser — à exceção de Tresham — com quem o rei não berrasse ordens ou ofensas. Ora, quando um soldado veio lhe dizer que todas as flechas já haviam sido postas nas aljavas, só o que o rei soubera fazer fora avermelhar-se e dizer, de maneira que todos ouvissem.
— Então vão fazer mais flechas!
E o soldado partiu correndo pelos corredores, rumo para onde ninguém soube dizer.
De qualquer modo, não era a quantidade de flechas o maior problema, pois o rei queria apenas extravasar a fúria de seu coração; teria urrado pelo primeiro motivo que lhe aparecesse, fosse este o que fosse.
Tresham apenas o observou; pávido, incólume, sem qualquer expressão em sua face escondida; o que já fora suficiente, contudo, para que o rei o encontrasse e se sentisse julgado pelos seus olhos multicolores. Tresham vinha o olhando por vezes inúmeras, mais do que lhe era de costume fazer, desde que havia retornado do covil dos mortos.
Mas não os houve mais tempo, e logo para as fronteiras fora do rei o foram obrigados a se prontificar. Duozenas de soldados cobertos em suas armaduras e elmos pretos, apanhando espadas e lanças — e o metal de lâminas reluziu perante o prateado do luar que se revelou por sobre ele, através das nuvens. Arqueiros apontavam flechas do topo da varanda logo atrás, enquanto as árvores da floresta avante os inundava de terror e suspeita.
Mas Tresham não segurava sua espada. Não. Antes disso ele deixava suas mãos livres e matutava sobre os planos do seu futuro.
Foi inevitável, o rei teve que chegar ao exército, e os soldados lhe abriram caminho. Ele não veio montado em seu cavalo, como era do seu desejo, pois — orientado pelo próprio Tresham — era-lhe preciso que permanecesse ao lado dos guerreiros para que nada o atingisse
— Lembre-se — o guerreiro o rangia — a sua batalha do se acabará quando seus dedos e seu sangue tocarem o líder da morte. Esta não é uma guerra na qual a honra trará a vitória.
E o rei — ora!— não era homem tolo, pois de imediato ele marchou para o lado de Tresham, e se recobriu com a força dos seus braços e a montanha que era o seu corpo.
O rei vestia uma armadura há muito esquecida na poeira e na pura ilustração de épocas mais vitoriosas. Uma armadura de cor dourada, assim como sua espada, que pendia em sua mão direita, e o seu elmo, em sua mão esquerda. Seu olhar era de puro medo, e não conseguia desviar-se da floresta.
— Tem certeza de que ele virá, Demônio? — ele tremia ao guerreiro.
Tresham o deu uma olhada veloz com desdém, e o disse:
— Virá. Ele vem ceifá-lo, que a sua morte é só o que ele quer. A vingança é algo que gostamos de fazer com nossas próprias mãos. Ele virá.
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As Viagens de Um Vagante Perdido
Fantasy"... Seus olhos eram afiados, seu coração era mistério. Para o além dos mares e das terras ele marcha, sem ninguém jamais saber para onde vai. Uma espada à cintura, poções ao cinto, uma máscara ao rosto, e um oceano de monstros a matar. Uma sombra...