5- Diário de Edolon. O fim do silêncio

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(621 palavras)

Fui à aldeia e, como suspeitava, não ouvi qualquer palavra dos lábios de quem quer que fosse, todos sorriam, às vezes sentia, dos habitantes, gargalhadas, gargalhadas silenciosas. O que mais me irritava era a sensação de uma harmonia perfeita entre todos os habitantes e a natureza. O silêncio era como se fosse uma parte fundamental da natureza humana, e que a linguagem humana era apenas um eco do silêncio. Reparei que todos cultivavam a terra, mas que não havia qualquer vedação entre propriedades, como se as pessoas soubessem mentalmente onde acaba a sua terra e começava a do vizinho, mas o mais impressionante era que todos se ajudavam mutuamente. Perguntei a umas cinco ou seis pessoas, se tinha visto um homem de negro, ou um indiano, mas nenhuma resposta afirmativa. Apenas acenos de cabeça, a dizer não, sem uma única palavra.

Nessa noite, não consegui dormir bem, devido à inquietude da mente, levantei-me cedo, andei pela casa admirando os quadros na parede e os adornos de madeira trabalhada, que seguravam os candeeiros, dava-me algum prazer este movimento.

Quando amanheceu, caminhei pelas redondezas, para meu enorme espanto, ouvi... ouvi, por momentos pensei que era minha imaginação, ouvi um rouxinol, saltei, pulei de alegria. Aproximei-me em direção ao canto, maravilhoso, e deparei-me com o mestre a tocar o seu violino misterioso. Era um violino que o mestre, por gestos, me tinha proibido de tocar nele, até de me aproximar. Espreitei por detrás de uma árvore, vi o rouxinol a uns dois metros de distância do mestre. Esfreguei os olhos para ter a certeza daquilo que via, não estava enganado. Enquanto o mestre tocava, não se ouvia qualquer som produzido pelo violino, dava a sensação de que o canto do rouxinol fluía para dentro do violino. O rouxinol, por magia, foi o que me ocorreu, ia perdendo a sua voz, como se o violino a engolisse desalmadamente.

Fiquei louco, o único som que ouvira de há três semanas para cá, iria desaparecer. Corri, com todas as forças que tinha, para o mestre, arranquei-lhe o violino das mãos e esmaguei-o contra uma pedra.

Aterrorizado, de olhos esbugalhados, vi sair dos destroços daquele violino imensa música, vi e ouvi, pois, os acordes tinham ganho forma. Sons de vento, de chuva, vozes humanas, músicas indecifráveis.... Era difícil acreditar, as notas daquela música intensa, subiam em ritmos frenéticos, rodopiavam em cadências e depois aceleravam em infinitos arpejos.... Olhei para o mestre, enquanto este se desfazia em inúmeras notas musicais silenciosas que se ouviam apenas através da vibração, ouviam-se apenas com a alma. As últimas frases que o mestre me disse, enquanto se evaporava em notas musicais, foi:

"Agora que o ruído alcançaste, tenta procurar o silêncio dentro de ti. Que o vazio se desfaça em infinitos raios de luz"

Fugi dali assustado como um louco que tinha presenciado ou mais arrepiante ser sobrenatural. Passei pela aldeia, todos falavam. Vozes que evocavam desejos, paixões, os maiores recantos do ser..., e ninguém se entendia, uns marcavam as suas terras, outros corriam sem destino, outros cortavam árvores, começavam a chover, como se o céu exprimisse o seu choro pelo que acabara de acontecer. Eu caminhava em silêncio, mas o mundo ao meu redor era um concerto de ruídos e ecos. 

O que fui fazer? Destruí o silêncio que talvez fosse o elo que unisse estas pessoas em harmonia. Dava tudo para retroceder e trazer o mestre de volta. Algo de sinistro se começa a mover nas mentes das pessoas, algo despertado pela quebra do silêncio. Temo o que está por vir. Sinto no ar um cheiro a progresso uma poluição que me inquieta. Carros em fúria rompem a paz...

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