19- Nas Ruínas do passado se vê o destino traçado

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(1580 palavras)

Um ramo de tronco grosso foi disparado pela ventania que se agigantava, projetando-se contra Triny. Ela usou o seu poder para criar uma força temporal à sua volta, atrasando o tempo num raio de 30 metros, fazendo com que o movimento temporal abrandasse consideravelmente.

Triny olhou com temor para Edolon, suspenso no ar, hirto, com os braços estendidos à altura do ombro, como se ele estivesse pregado numa cruz. Edolon não parecia estar consciente, talvez em transe. A luz vermelha que circulava em torno dele expandia-se cada vez mais, impedindo uma visibilidade clara. A água do lago flutuava em direção a Edolon, formando um tubo com a espessura de um homem, contorcendo-se como uma serpente, e erguendo-se bem alto antes de descer de forma impulsiva em direção a Edolon. Em volta dele, água criou uma bolha, fundindo-se com a luz vermelha.

Triny tentou atrasar o tempo para que a água não chegasse até Edolon, mas era tarde demais. Encharcada pela água que tinha respingado, lutou, bravamente, para não ser puxada pela cápsula, o seu esforço era inglório perante a potência magnética que vinha do invólucro. Se era para morrer, morreria, ali, com Edolon. Ela desistiu de lutar pela vida, para, destemidamente, se deixar ir na força do magnetismo. Foi arrancada do chão, deslocada pelo ar, para dentro da bolha.

Triny expeliu água em sofreguidão antes de perceber onde estava. No núcleo da cápsula, feito da combinação entre água, luz e magia, existia uma membrana que impedia o ar de sair e a água de entrar. Triny aninhou a sua cabeça no peito de Edolon em jeito de abraço, mas a sua preocupação maior era ver a pulsação dele. Estava tudo bem em termos de eventos cardíacos, com Edolon, mas, ela, não tinha tanta certeza com o seu coração acelerado. Não sabia se palpitava, tumultuosamente, pela emoção dos acontecimentos surpreendentes ou se batia, vertiginosamente, por sentir, ali, o calor do momento devido ao toque no peito de Edolon. Ela deixou-se levar pela imaginação por uns breves instantes, de olhos fechados.

Acordando para a realidade, Triny olhou e via outro lugar, não a zona do lago onde tinha feito o piquenique. A limpidez com que via para fora era estranhamente contrastante com a visão nublada pela água e pela cor vermelha que tinha de fora para dentro. No entanto, o que mais lhe chamou a atenção era que via outra paisagem, uma praia de areia dourada.

Triny admirava a beleza da praia, uma vila à beira-mar, numa ilha pequena de uma imensidão paradisíaca, aparecia com tanta nitidez que, passada a estupefação, se sentiu maravilhada com tamanha visão. O olhar se desviou para uma janela, onde estava um jovem, com uma idade entre 18 a 20 anos. A realidade que se vislumbrava de dentro para fora, passava rápido, Triny, pensou ser por ela estar também dentro da bolha e que dali podia controlar a velocidade temporal exterior à bolha. Se o pensou assim o fez, acelerou, e retardou, conforme o interesse, o tempo que se vivia naquela ilha. Embora a direção que aquela bolha, tomava, parecia ser completamente autónoma, por força de algo que só talvez Edolon pudesse explicar o que se via girava em torno de Pedro.

Pedro passava os seus dias na sua casa, afundado em jogos de videojogo e séries de TV, buscando escapar dos seus próprios pensamentos e emoções. Era um jovem de alma atormentada, preso numa rotina insípida e sem vida, enquanto a sua mente se perdurava num abismo sombrio e desolado. Uma prisão autoimposta no seu mundo isolado, refletindo a sua confusão sobre si mesmo e a sua existência. Ele ansiava por escapar dessa vida monótona e encontrar um propósito, mas sua coragem era fraca, e o medo de manter-se cativo na sua própria mente, o deixava ainda mais exposto à fuga para a emoção rápida, dada pela tecnologia.

Mas um dia, algo o perturbou, uma sensação estranha e inquietante, o acompanhava. Enquanto caminhava pelas ruas da cidade, pressentiu algo. Uma sensação de perigo que o seguia como uma sombra, esperando pelo momento certo para atacar. E então, monstros apareceram, sete criaturas grotescas, rosto e cabelo de anjo, com asas de corvo e caninos de vampiro, mas os restantes dentes eram em forma de serra pontiaguda, atacando Pedro com as suas flechas feitas de fumaça cinza, qual cupido.

Ele sentiu a invasão da sua alma, uma luxúria insaciável que o transbordou de uma coragem que nunca tinha sentido. Uma coragem em se submeter ao desejo pelo prazer intenso, que aniquilava todos os medos do moralmente correto ou o receio de não ser bem-sucedido. Colocou o nariz ao ar, sentia um perfume libidinoso, que o impulsionava a seguir, imaginava uma mulher de vermelho à sua espera. Não pensava em mais nada, aquela fragrância de esperança em prazeres nunca alcançados, era suficiente para o conduzir.

A sua mente foi tomada por um desejo intenso e desconhecido, levando-o a seguir a Dama de Vermelho, que o esperava numa esquina. Essa figura misteriosa e sedutora, vestida em vermelho-escuro, com um sorriso enigmático nos lábios, o encantou. Ela levou-o a uma espiral de prazeres carnais, um vazio sem fim que sugou a sua alma para dentro do abismo.

Ele perdeu a sua identidade e personalidade, como uma marioneta descontrolada, dançando ao som das tentações da Dama de Vermelho. Pedro se tornou um zumbi lascivo, um escravo dos desejos carnais, incapaz de resistir ao chamado da Dama de Vermelho. Ele afundou-se na sua própria luxúria, em busca de um prazer intenso e desconhecido, sem escrúpulos ou remorso.

A bolha de água desfez-se, Triny, caiu no chão enlameado, ao lado de Edolon desorientado. Edolon, tinha saído do transe, lembrava-se de Pedro, e do que tinha acontecido com a Dama de Vermelho, a mente parecia estar bem melhor que o lado físico. Estava pálido, não tinha força para se mover. Triny tinha-o abraçado e lhe perguntou se estava bem, num misto de felicidade, nervosismo e perplexidade com o que tinha acontecido. Edolon, ia contar de Pedro a Triny, mas esta, colocou-lhe, gentilmente, o dedo indicador nos lábios, dizendo-lhe que não precisava de dizer nada, ela tinha visto tudo.

Triny, sentiu ali, não uma força magnética a puxá-la para os lábios de Edolon, mas sim uma atração irresistível de selar o momento com um leve beijo nos lábios. Parou, por medo que os demónios do passado assombrassem os anjos do presente. Sim, isso, e também achar que Edolon estava debilitado e impunha-se mais um beijo de carinho apaixonado que um beijo de desejo ardente.

Fique bem claro que nem sempre os momentos de ação correspondem aos anseios do corpo e das emoções mais desenfreadas. Se isto era sentido por Triny, do lado oposto, acontecia o mesmo. No entanto, Edolon, não se preocupou naquele instante com o estado físico de Triny, pois esta parecia estar bem e reluzente. Apenas não a puxou, para si, porque os braços não lhe obedeceram.

Triny, olhou à volta e viu tudo destruído, ora pela água, ora pelo vento. Aquele lugar, era o sítio mais romântico que conhecia. Seria irónico, frustrante, de mau agoiro, se noutra situação, que não esta, que, logo, no primeiro dia que levasse ali uma pessoa com esperanças de romance o lugar ficasse destruído. Tinha idealizado, levar ali aquele, que talvez um dia, ela, se sentisse tentada a apaixonar-se, mesmo sabendo dos medos que lhe iam na alma e até a certeza de que o destino não lhe proporcionaria tal coisa. Por bem se habituou a não se dar a esses prazeres, para nem recordar o passado, nem viver no medo de que um dia pode-se magoar alguém como fez com a sua mãe.

No entanto, sabe-se que o destino, nem sempre segue o caminho que a mente ilumina. Não fosse, Oraca a aparecer-lhe num sonho, que no dia que o escolhido aparecesse, soltaria uma lágrima que libertaria o espírito e o coração para o amor, talvez o destino ainda continuasse no mesmo rumo.

Devaneios à parte, Triny sabia que o importante, agora, era focar-se em transportar Edolon para o carro. Dado o estado em que ele se encontrava, talvez fosse melhor chamar, Dionísios e Apolíneo, pois não precisaria de sujeitar Edolon a uma viagem, nem ao esforço do caminho até ao carro. Outro motivo ainda se levantava, ela tinha de contar, aos restantes, o que tinha presenciado.

Pegou no celular, ligou a Apolíneo e num instante os dois apareceram, Dionísios e Apolíneo. Dionísios levaria o carro e Apolíneo, transportaria os dois. Edolon precisava de recuperar o mais rápido possível, para pensarem na Dama de Vermelho e  a caçarem, antes que esta fizesse mais vítimas. E Pedro, o que seria de Pedro, teria salvação?

Já Edolon, no meio da desgraça, arrependeu-se de ter um pensamento egoísta. Por breves instantes, tinha ficado contente por Triny ter presenciado tudo e ele não estar a alucinar, sabia agora que não estava maluco, ou pelo menos não seria o único. Isso o reconfortou, mas dada a gravidade da situação pareceu-lhe estranho que se sentisse feliz, quando alguém, como Pedro, se metia em maus lençóis. No entanto, o termo «maus lençóis», dada a situação de luxúria, o levou a esboçar um breve sorriso, que logo decidiu fechar. Embora, ele, pensasse que para quem perdeu a memória, sendo exposto a tais acontecimentos, deva ser compreensível, ter alguns pensamentos menos assertivos. Quem não tem memória deve ser incapaz de selecionar os pensamentos certos, pensou ele. Talvez, antes de saber a sua identidade, devesse aprender a escolher os pensamentos que nascem na mente, separar o trigo do joio.

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