0.12- Luxúria e solidão

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A solidão é estar num deserto, onde a sede queima a garganta e a esperança de encontrar água parece ter desaparecido com as miragens. Num mundo onde nem as ilusões são mais suportáveis, era assim que Albertina se sentia. Foi assim que entrou na esfera, acompanhada por Triny, que a levaria para casa.

O percurso de retorno para casa foi tingido por uma sensação de vazio voraz, uma falta de companhia perpassava por cada poro do seu ser. Sob a luz ténue dos passeios, Albertina buscava no seu próprio corpo uma resposta para as infeções que assombravam a sua alma. Ansiava por uma conexão, por algo que pudesse insuflar vida nas suas veias novamente.

Mas a solidão, essa força implacável que corroía as suas esperanças e devorava os seus sonhos, deixando-o à mercê da tristeza e do desalento. Quando a solidão é soberana, a esperança em dias melhores desaparece, como se tivesse sido arrancada à força das suas mãos. É nesse momento que ela encara a própria vulnerabilidade, o quão frágil ela é perante o mundo.

E é necessário entender que a solidão não é uma escolha, não é algo que se possa controlar ou evitar. Ela é uma consequência da vida, uma manifestação intrínseca da natureza humana. E embora a solidão às vezes seja suportável, é fundamental lembrar que Albertina está sozinha neste caminho. Tem Triny, sim, tem Triny, mas Albertina, nunca ligou à criança, e agora que finalmente a vê como filha, não a carregará com a sua solidão. Que mãe seria se a primeira coisa que fizesse fosse dar à filha mais problemas do que ela já tinha?

Todos somos seres humanos, todos buscamos um propósito para nossas vidas, todos lutamos contra os nossos medos e pensamentos. Mas que propósito teria Albertina se sempre foi uma fábrica de pensamentos, a produzir, a produzir sem parar, sem se lembrar de si. Não conhecia ninguém, todos eram operários desta grande fábrica de pensamentos. Ninguém a conhecia a ela.

Jantou com Triny em silêncio, sem dizer uma sílaba. Não sabia o que dizer, não queria passar a dor para a criança. Não lhe conseguia ler os pensamentos, "talvez Triny tivesse desligado o AniPower", pensou Albertina. Sem saber que era ela que tinha o AniPower ausente por motivos que se desconhecem, mas que se desconfia.

Triny no seu quarto, já deitada ansiosa, nervosa pela sensação de que algo estaria para acontecer. Tinha medo, que tudo fosse culpa dela. Porque é que, só ela é que via o corvo? Seria porque a bruxa má, havia detetado a sua presença e assim veio parar a este mundo?

Felizmente não havia visto mais o corvo. A pouca luz, que existia, era suficiente para a manter desperta vigilante. Abriu-se a porta do quarto, era a mãe. Uma sombra, projetou-se no teto branco do quarto, passando rápido como um relâmpago. O suficiente para fazer Triny tremer.

Albertina sentou-se na cama, no silêncio da noite passou a mão pelo cabelo da filha. Triny num qualquer outro dia teria adorado aquele momento. Hoje não. Fingiu dormir, torcendo com todas as forças para a mãe ir embora. Para que o corvo não a pegasse. Albertina queria apenas fazer uma festa à filha, não queria dizer palavra. As palavras podem transmitir a ansiedade, a solidão que carregava o desgosto que lhe ia na alma. Uma festa, era uma festa, um gesto de amor.

Albertina saiu do quarto, escondendo às lágrimas no escuro. Não sabia porque as escondia, ninguém a via, talvez sentisse vergonha de si própria. Ou talvez apenas talvez não quisesse dar ao mundo uma única lágrima, ele não merecia. A única maneira de o mundo vir a si era ter Adónis dentro de si. Talvez amanhã estivesse melhor, agora precisava de acalmar. Adónis, Adónis era a solução.

De novo, e de novo ouviu aquela música "Muda de vida, muda de mente...". Uma obsessão que ouvia e cada vez mais sentia o vazio dentro de si.

A solidão, um lugar sem fuga, uma sensação de impotência feroz. Queria fazer parte do mundo, sentir que existia, mas sabia que nada para ela havia. Era apenas uma fábrica de pensamentos, nada mais conseguia. E o corpo tremia. Queria deixar-se levar, só queria paz, sentir amar, não estar só, trazer o mundo para si. Não conseguia, o corpo tremia como chamando a si o que a alma não permitia. Uma fuga, uma saída a esta dor lancinante. A mente paralisa, não consegue mais, imagens soltas que a imaginação liberta, e ao corpo se entrega.

A solidão é um vazio inquietante, que nos deixa desgostosos pela falta de conexão com o mundo. É como uma ferida aberta na alma, que dilacera e nos faz ansiar por algo maior do que nós mesmos. Mas às vezes, esse desejo é tão forte que se transforma num desejo carnal, uma busca desenfreada pelo prazer que nos consome como uma droga. A solidão é uma dor que dilacera, numa busca incessante por conexão. Quando o vazio persiste, e o coração clama por paz, a busca por prazer é apenas o que existe. O desejo queimando como fogo, uma injeção de adrenalina acalma. E assim, cega pela dor, a mente não pensa, só o corpo sente. O desejo arde em busca de amor e a luxúria se torna presente. Adónis! Nem que fosse só mais uma vez, queria vibrar, queria existir, queria sentir.

Paradoxalmente acalmar a dor, como uma injeção de adrenalina na veia. Uma sensação avassaladora, que faça o corpo pular e o coração acelerar, mas que, ao mesmo tempo, traga paz à alma, como uma tempestade que limpa o ar e traz renovação. Apenas deixar de pensar, aliviar. Existir, só queria existir.

Já não sabia que Adónis não existia, que era apenas um sonho. Era uma miragem, uma esperança que se transformou em delírio. A cada vez que o eco da música reverberava nos seus ouvidos, a dor lancinante da solidão a penetrava como um punhal em brasa. E assim, entregava-se ao desejo, ao prazer que a fazia sentir viva, mesmo que por instantes efémeros.

Triny entrou, e constatou o corvo a entrar lenta e penosamente na mãe. Tentou agarrá-lo, mas não tinha matéria, apertou e apertou as mãos, até cravar as unhas na palma da mão. E nada, em vão, não conseguia agarrar.

Albertina vivia uma luta constante entre a alma e o corpo, entre a necessidade de conexão e a busca desenfreada pelo prazer. E a cada vez que se entregava, sentia-se mais vazia, mais solitária, mais angustiada. Era um ciclo que a consumia. Fechou os olhos, já não ouviu o desespero da filha a chamá-la. Adormeceu, num coma profundo.

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