11 - Diário de Edolon. A alma do corvo.

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(1033 palavras)

Pela madrugada, ainda de noite, com o vento uivando como lobos famintos, a escuridão reinava absoluta sobre a montanha. Mas, movido por uma ânsia desconhecida, decidi descer a encosta em busca de um coelho branco, cujo significado me escapava. A cada passo, o medo se juntava ao vento, e, com uma lanterna, vi dois corvos pousados numa rocha, que amedrontavam a escuridão e farejavam a minha presença. Não posso dizer que fosse coragem, mas curiosidade. A curiosidade é como um guia nas nossas vidas, que nos torna capazes de transcender as limitações do medo. A curiosidade é uma força impulsionadora que nos conduz além das fronteiras do medo, capacitando-nos a desvendar os segredos do mundo e abraçar novas possibilidades.

A descida era íngreme e arriscada, mas eu prosseguia, movido pelo meu futuro indefinido. Naquela floresta densa, a cada passo que eu dava, a luz matinal aumentava, sem chegar às sombras da minha mente. Já com os primeiros raios de sol, vi alguns corvos, esses malditos, a sobrevoar-me.

Enquanto eu me aproximava do vale, percebi algo anormal no céu: alguns cilindros cromados, com asas negras, estavam visíveis. Eles voavam em formação com os corvos, como se congeminassem algo juntos.

Ao chegar no vale, avistei, ao longe, aquele ser sinistro, o Homem De Negro. O seu rosto era tenebroso, vazio, sem traços humanos, exceto uma boca estranha, na vertical, na sua garganta. Eu já havia visto aquele, hediondo ser, sem rosto, antes, mas nunca tão nítido, sempre envolto numa neblina estranha que não dera para perceber a fisionomia daquele rosto bizarro. Mas agora, com a luz da manhã, via-se bem.

Enquanto, por trás de uma árvore, observava o Homem de Negro, percebi que um corvo se aproximava dele. O Homem De Negro estendeu os braços, extraindo uma alma humana, do triângulo que tinha na garganta, em forma de névoa densa. A bruma, em forma de homem, penetrou no corvo, pelos olhos, envolvendo o amaldiçoado, num cilindro de metal cromado com asas de corvo morto.

Aquela visão macabra fez-me tremer, o meu coração bateu acelerado, provocando-me um turbilhão mental, enquanto os corvos se aproximavam de mim. Logo os cilindros voadores sentiram a minha presença e dirigiram-se, furiosamente, na minha direção. A curiosidade em mim tinha desaparecido, o medo era o que me impulsionava a fugir.

Eu corri, impulsivamente, o mais que pude, mas numa clareira fui cercada pelos corvos e cilindros. Lutando pela minha vida, eu fui atingido e caí ao chão. Sem piedade, com bicadas que me arrancavam a pele, batidas metálicas que estremeciam nos ossos, eu senti que a minha hora havia chegado. Tentei abafar o ruído e proteger a vista das bicadas, enquanto afastava aqueles seres, gritando de dor e raiva. Com o som, metálico, suprimido e a minha voz finda, o silêncio começou a tomar conta de mim, e o desfalecimento parecia inevitável.

Por momentos senti que alguém desligava o meu corpo e apagava-me completamente, rendi-me naquele instante à desgraça. Já não sentia dor, uma sensação de ter abandonado o corpo, de estar em outro lugar, onde o terror não poderia entrar. Estava a morrer, assim pensei.

Mas eis que recuperei a consciência, e uma paz branca e silenciosa inundou a minha mente. Os meus olhos tornaram-se brancos e puros, os corvos haviam desaparecido. Não tinha dúvidas agora, não era ilusão. A prova deste encontro sobrenatural estava no meu corpo e na roupa manchada de sangue.

Levantei-me! Ferido, cambaleando, continuei a minha jornada pela floresta, em busca do coelho branco. A força da paz e do silêncio impulsionava-me, seguia sem saber o que esperar, mas seguia, — a dor não é maior que a força de vontade — tentei com todas as forças autoconvencer-me.

Andei, sem rumo, um pouco, descansei, e segui pelas sombras de um bosque. A minha mente, ainda perturbada, estava inebriada pelos vestígios do passado recente. Esforçava-me para manter a positividade, mas o esforço parecia inglório. Os ruídos indecifráveis, que ecoavam na densa mata, aumentavam o meu medo e pânico, pois, com minhas lesões, qualquer fera selvagem, que aparecesse, seria fatal.

Minha mente, atormentada, fugia para os recônditos do sobrenatural, apavorando-me ainda mais. Porém, a sensação de que algo me seguia, persistia, e um arrepio inquietante percorria todo o meu ser.

Caminhei em direção a uma orla, aonde as sombras das árvores projetavam um desenho sinistro, como se fosse uma dança macabra de seres desconhecidos. Decidi seguir o caminho mais difícil, pela floresta densa. O som ensurdecedor da natureza, ampliado pela minha imaginação, a humidade e o calor, fez o meu coração bater de forma, ainda mais, alucinada.

Lembrei-me, então, da importância do silêncio, da sua virtude em acalmar a alma e o espírito. Consegui controlar a minha força muscular, ouvindo apenas os sons do meu corpo. Gradualmente, acostumei-me com os ruídos da natureza, sentindo apenas o vento soprar nas árvores, e o canto dos pássaros.

No entanto, o som dos meus passos, como algodão macio, ecoavam na floresta silenciosamente, como se alguém os repetisse e pude perceber que era seguido. A primeira reação foi o medo, seguida pelo desejo de fugir, mas sabia que não poderia, estava ferido e cansado. Resolvi, então, encarar o destino, de frente, armado apenas com um pau nas minhas mãos.

Com os olhos fechados, inspirei profundamente, como se buscasse a força do universo na minha espiritualidade. Ao abri-los, deparei-me com o majestoso leopardo, diante de mim. Estranhamente, não senti medo, e a minha reação foi sentar-me, largando o pau.

O felino, observando-me, acariciou o meu rosto com a sua pata, como se percebesse a minha aflição. E, com um rugido ensurdecedor, seguiu na mata, deixando um trilho feito para eu seguir.

Entrei no caminho e avistei o leopardo, como se esperasse por mim. Quando ele virou a cabeça na minha direção, trazia um coelho branco na boca. O coelho parecia não se importar, antes pelo contrário dava mostra de algum conforto na boca do leopardo.

O leopardo correu, e eu não consegui acompanhar, o cansaço era demais. Mas o trilho que o leopardo trilhava, nada tinha que enganava. Cheguei ao fim do bosque, estava ali naquele descampado, um circo instalado, dirigi-me para lá para pedir ajuda. Sentia-me a desmaiar, sede, cansaço, dores que agora pesavam, muito, e insistiam em cravar o meu corpo no chão.

Na entrada do terreno que cercava o circo, vi um cartaz, basicamente todo branco, aquele tipo de branco que, algumas vezes, deixou-me tonto e senti uma vertigem. Do outro lado, aproximava-se alguém, não conseguia enxergar bem, via tudo a andar à roda, mas aqueles passos lembravam-me de qualquer coisa. Sim, era ela, era a mulher de vestido cor de laranja com quem havia dançado. E fiquei ali completamente zonzo, enfraquecido, e senti-me a cair... (continua)

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