0.04-A escolha

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O hospital parecia uma cúpula dentro de outra cúpula, um mundo dentro de outro mundo. Era um espaço singular entre as cúpulas 6 e 7. Ali, a ciência e a espiritualidade se entrelaçavam em harmonia, criando um ambiente de cura para o corpo e para a mente. Para além de duas dezenas de médicos existiam também humanoides. Os humanoides, sob a tutela da MenteDivina, eram verdadeiros artistas na arte de cuidar dos pacientes. Eles compreendiam que a saúde era uma união do físico e do mental, e usavam a sua sabedoria para curar o corpo e aliviar a alma.

O hospital raramente tinha doentes, visto que o AniPower analisa quer os aspetos biológicos, fisiológicos e químicos do corpo. Consegue ainda estimular, através das nanoAlmas, a produção, ou inibição, de hormonas como a dopamina adrenalina, etc., de modo que as pessoas tenham uma vida equilibrada e feliz.

Os únicos dois doentes que havia no hospital, estavam ambos em coma. Lamenta-se o fato, pois assim não podem dar o seu contributo intelectual à sociedade. Infelizmente são ambos de nível 9.

Ao entrarem no hospital, Oraca pediu ao seu AniPower para projetar uma águia holográfica no seu ombro. As pessoas ao redor não conseguiram esconder a sua curiosidade e falar pela única pessoa na história a atingir o nível 10. Era a prova de que o conhecimento humano não conhece limites.

As pessoas, alinhadas junto à parede branca, olhavam para Oraca e para a sua águia, calculando as probabilidades de um dia chegarem também ao nível 10. E isso era possível graças à harmonia entre o AniPower, a MenteDivina e as NanoAlmas, que conseguiam controlar as emoções e os pensamentos, guiando a humanidade para um bem comum.

Esse bem comum era a representação da natureza, um objetivo certo a ser alcançado em 250 anos. Mas um novo objetivo ganhava cada vez mais espaço: o NovoCéu. Era uma visão grandiosa, que impulsionava o pensamento de todos em direção a um futuro melhor e eterno. Bem vistas as coisas, seria uma pena desperdiçar pensamentos, coerentes e lógicos, para o bem da humanidade apenas porque uma pessoa morre.

As paredes brancas emitiam a luz necessária a um ambiente tranquilo. Oraca foi recebida pelo Dr. Jonas, um respeitado médico perito em nanoAlmas e em eletrencefalograma.

Oraca foi encaminhada para uma sala de exames onde uma equipa de médicos aguardava para fazer o reforço das NanoAlmas do bebé. Morpheus observava atentamente o procedimento, fascinado pela tecnologia utilizada pelos médicos.

Quando, o reforço foi introduzido, os médicos auxiliares saíram, ficando apenas o Dr. Jonas.

— Como se sente? — enquanto olhava para o monitor e observava a interação das NanoAlmas com o cérebro.

— Bem, o que observa?

— Como sabe as NanoAlmas, nesta criança não interagem com o cérebro, como deviam. Apenas um pequeno fio se liga à parte inconsciente. As restantes formam um aglomerado à volta do cérebro como se fosse uma membrana.

— Sim, doutor, essa informação era já conhecida. Pretendo saber das novas NanoAlmas.

— Parecem estar a ter o mesmo comportamento das anteriores, não conseguem estimular os neurónios. — fez uma pausa e continuou — Aconselho vivamente a abortar o infortúnio que lhe aconteceu com o anticoncetivo — tentou o médico falar na voz mais calma possível.

Morpheus, que observava, ficou ligeiramente chocado, ao imaginar que antes das NanoAlmas se recomporem, no cérebro de Oraca ela pode ter alguma desilusão em receber tal notícia.

— Sim, compreendo doutor, vou ponderar mais um pouco, mas a princípio a resposta é não, não abortarei. — Oraca calmamente, para surpresa do médico e de Morpheus, como se a decisão dela já tivesse sido tomada anteriormente.

— Observe, que a criança, não dará contributo à sociedade, o cérebro dele será como o de um primata de há 400 anos. Pense na criança, não haverá cúpula para ele.

Morpheus, aproximou-se do Dr. Jonas, olhando para o monitor, tentando perceber a reação de Oraca.

— É certo que a humanidade evolui muito ao nível intelectual e de capacidade cerebral, mas a nível fisiológico, continuamos na mesma. Não há probabilidades, doutor, de o cérebro da criança se uniformizar com as NanoAlmas.

— Não! Recebi agora mesmo a confirmação do senado e da MenteDivina. Seria como uma mulher dar à luz um chimpanzé. Sem conseguir falar ou compreender, sem escolas ou integração.

— O que sugere, doutor? Que eu aborte? Que eu desista dela antes mesmo de ela nascer? — respondeu Oraca, ela sabia que isto aconteceria, no entanto, ainda não tinha uma explicação racional, para querer aquela criança. Mas queria, e se queria, teria de ir até ao fim. A hipótese que colocava, é que de alguma forma o corpo e instintos, influenciavam também as redes neuronais das NanoAlmas, uma vontade de ter aquele filho, se lhe infiltrava no cérebro. Que por mais redes neuronais que criasse, a conclusão era sempre a mesma, queria a criança. Ainda não tinha uma explicação lógica para o efeito, mas iria descobrir. As NanoAlmas adaptam-se ao instinto maternal?

O Dr. Jonas, muito paciente, sempre com grande admiração por estar na presença de Oraca, tentou mais uma vez explicar. Não, ele já não explicava, ele transmitia informação da MenteDivina e do Senado.

— Como sabe, há 4 séculos existiam escolas, onde as crias dos humanos antigos podiam aprender. Agora não há escolas, o rebento, estará perdido no mundo completamente alienado, sem qualquer integração na sociedade. Temo o pior ainda, não conseguirá lidar com as suas emoções e será um transtorno para todos.

Morpheus, que observava a cena, sentiu uma onda de pensamentos por Oraca. Ela parecia estar a lutar por algo maior, por algo que fosse além da própria sociedade, algo que pudesse tocar o raciocínio de todos.

Uma agitação se fez no hospital, chegara mais um paciente. Era Amílcar, pai de Triny. Oraca, Morpheus e o Dr Jonas saíram para observar. Pediram informações à MenteDivina, que transmitiu que Amílcar estava em estado de coma.

Oraca ficou, intrigada, com a criança sentada numa cadeira e chorava. Que algo de extraordinário fez uma criança chorar? Três casos de coma, quando nos últimos 200 anos não há registo de tal acontecimento? Teria que analisar. A criança a chamou a atenção, teve uma ideia lógica para convencer a MenteDivina e o Senado para o filho poder nascer e viver.

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