0.03- As Tamareiras e as sete Cúpulas

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Se queria que Morpheus a ajudasse, teria de o instruir. Era seu discípulo há 3 dias, aprendia rápido. Mas Morpheus também era um sonhador, imerso no segundo grande objetivo da sociedade atual, o NovoCéu. Quem não estaria? Ele foi escolhido por ela, porque viu algo diferente nele.

A vida é um ciclo eterno de lições, e é nosso dever agir no presente para garantir um futuro melhor para as próximas gerações. Devemos garantir a segurança do degrau em que estamos antes de avançar para o próximo. Morpheus tentou redirecionar a conversa para a coleta de dados e os problemas da imortalidade, dizendo que os nossos sonhos são uma manifestação da nossa liberdade e responsabilidade em criar o nosso próprio significado e propósito na vida. No entanto, Oraca lembrou-o de que a história da humanidade está cheia de sonhos movidos pelo conhecimento mal aplicado que resultaram em destruição.

— Ainda não se adaptou à ideia?

— Não, Morpheus. Continuo contra. Mas se o faremos, é melhor que o seja pelas nossas mãos.

— Se não tivéssemos sonhado, não estaríamos aqui — Morpheus, olhando para Oraca, convencido que a sua afirmação era inquebrável. Ele que foi o primeiro humano a nascer à superfície. Faria 20 anos no próximo mês.

— Para seguir sonhos com segurança, nunca devemos esquecer a possibilidade dos pesadelos. — Se bem que graças as tecnologias que ampliam a capacidade cerebral ninguém tinha mesmo pesadelos. Mas nos falecidos seria cedo demais para ter tanta certeza. Resolveu então reformular a frase — Ao seguir os nossos sonhos, devemos estar cientes de que o caminho nem sempre é fácil, e que podemos enfrentar desafios e obstáculos imprevisíveis.

— Sonhos grandes são imaginados na escuridão dos pesadelos. — Comentou, Morpheus, referindo-se ao fato de a humanidade ter vivido numa gruta a 2 km de profundidade, e foi o sonho que os trouxe à superfície. E que obstáculos podia haver em querermos a imortalidade?

Oraca, adorava observar o entusiasmo de Morpheus, algo raro, que falava sem consultar o seu AniPower. Para bem da educação cerebral dele, decidiu esfriar-lhe o entusiasmo.

— Repara, contra todas as probabilidades estou grávida.

— Um milagre. — Não muito convencido do que dizia, pois, a vida do bebé não seria fácil, dificilmente as NanoAlmas no útero materno se iam harmonizar com o cérebro e seria humano completamente desfasado da sociedade.

— Exatamente isso, Morpheus, como pode haver milagres, mesmo que as probabilidades nos digam o oposto, da mesma forma pode haver desastres. A história da humanidade é mais dada a desastres do que a milagres.

Morpheus era um jovem imponente e sonhador que não desistia facilmente das suas ideias, e respondeu:

— Sonhar é viver, parar é morrer.

— Verdade, mas queremos disfarçar a morte em vez de estarmos mais preocupado com o sonho que nos trouxe até aqui.

Enquanto tomavam as bebidas, uma águia apareceu na mente de Oraca. Era a sua AniPower, uma IA que transmite e recebe informação às NanoAlmas, as nanomoléculas instaladas no cérebro.

— Oraca, está na hora de se dirigir à consulta da gravidez. Está tudo bem com o bebé, mas é necessário reforçar a dose de nanoAlmas. — disse a águia.

— Tenho de ir a uma consulta, reforçar as NanoAlmas, relativa ao meu filho.

Na mente de Morpheus, apareceu o seu AniPower, um falcão, com uma probabilidade de 90% de chegar ao nível 9 e 5% de chegar ao nível 10. Que lhe transmitiu que seria de bom-tom acompanhar Oraca, neste momento.

— Vou consigo! — disse Morpheus, levantando-se. — Quero ver como é a consulta e também visitar o Max Edolon.

— Ele ficaria contente se estivesse ciente — disse Oraca, sentindo uma leve emoção. Era estranho para ela, mas, desde que engravidou, tem sentido emoções, neste momento até saudades do marido tem, algo que nunca lhe passou pela cabeça. Conhecia a palavra, perfeitamente bem, do estudo aos antigos e pelo dicionário. Sempre se deu bem como marido, nada de estranho a esse respeito, pois ele, é de nível 9, e tinha compatibilidade química e biológica com ela. Contudo, o pedido de Morpheus era intrigante, pois podia apenas saber o estado de Max, pelo seu AniPower, sem precisar olhar para ele.

— Tudo bem, vamos lá — respondeu Oraca, levantando-se em seguida.

Entraram na esfera de dois lugares, seguindo o caminho branco. Morpheus olhava para a relva e árvores artificiais. Diferente das outras cúpulas, esta, a menor de todas, tinha mais espaço verde. Morando aqui apenas 22 pessoas, das quais 21 eram de nível 9. Enquanto na cúpula para humanos de nível 5, a com maior densidade populacional, moravam aproximadamente 60 mil pessoas.

Por uma questão de logística, as pessoas eram separadas por níveis. Apesar de, na teoria, terem os mesmos direitos, na prática, não era assim. Por exemplo, o conselho que ligava à MenteDivina só tinha membros de nível 9, exceto Oraca, que não era um membro permanente. A densidade populacional não era um problema sequer, o espaço era suficiente para todos.

Passaram pelas tamareiras, sendo as únicas árvores naturais na cúpula. Cada uma delas representa uma das cúpulas existentes. Os raios solares finos dissiparam-se, e a aurora artificial de um novo dia apareceu. O teto da cúpula, a 200 metros de altura, tornou-se azul, pincelado com nuvens brancas. Um sol artificial foi surgindo no horizonte por trás das montanhas projetadas.

As tamareiras estão dispostas num círculo coberto de grama natural. Por insistência de Oraca, as tamareiras foram escolhidas como símbolo. São árvores que demoram cerca de 60 anos a dar os primeiros frutos. Elas lembram-nos que a persistência, o amor e a paciência humana conseguem gerar frutos para as gerações futuras. A preservação da natureza é o maior fruto que podemos dar às gerações vindouras. Foi necessário a humanidade ficar privada da natureza para ganhar consciência da importância da mesma, mas nunca mais seria perdida, assim se acredita com base nas probabilidades extremamente elevadas.

— Assim como as tamareiras, o seu bebé precisa de tempo e cuidado para crescer e contribuir para a sociedade. — disse Morpheus, não só querendo saber como Oraca lidava com a projeção do futuro do bebé, mas também porque estava realmente preocupado. Embora aqui a preocupação seja bastante relativa, pois em caso de uma emoção mais forte, as nanoAlmas ajustam-se. Criando redes neuronais alternativas que por sua vez criam pensamentos mais lógicos e coerentes, aumentando os níveis de satisfação.

— A paciência é uma virtude que as tamareiras nos ensinam, e que será fundamental para criar um filho neste mundo, sendo ele tão diferente do resto dos humanos. Também terei de mudar, para ele não se sentir sozinho e a experiência ter sucesso.

— O que quer dizer com isso? Mudar o quê? A Oraca é perfeita! Que experiência?

Oraca, olhou para Morpheus, dando uma resposta vaga:

Logo veremos! — um pensamento estranho, como se viesse duma emoção, sem qualquer lógica a atormentou: O homem com tantas modificações, sobretudo cerebralmente, faz parte da natureza? O homem criado, pelo conceito de perfeição de uma IA, é natural? 

Matrix - a origem. Inteligência ArtificialOnde histórias criam vida. Descubra agora