23- Monangis e a luta pela sobrevivência

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(1079 palavras)

No ilhéu, longe de olhares alheios, na gruta escura que se iluminava pelos ovos que da boca de Marta brotavam, um amontoado se aglomerava. Ovos metálicos encadeavam os olhos felizes de Marta, que se preparava para dar à luz o sétimo ovo. Dar à luz, pode-se assim dizer, do primeiro nem tanto. O primeiro que brotou pouco dele se via, na escuridão. No sétimo, a luz se fazia presente, revelando os traços esculturais daquela mulher hipnotizante. Mulher, outrora, agora era um demónio. Memórias fugazes, de uma vida anterior, lhe trespassavam a mente, talvez tivesse sido prostituta, talvez mãe. Ah, mas como é bom extrair a essência dos corpos, absorver as almas. Qual orgasmo, qual o quê, isto é um prazer eterno que vai além da carne. Ser mãe, ver os filhos nascerem, lançar a bondade pura ao mundo e retirar o prazer do devaneio da loucura do mal. O mal não consome, faz-nos arder no prazer, fogo de eterna glória.

Após esvaziar a barriga, os traços de Marta, A Dama de Vermelho, ficaram ainda mais impressionantes. Juntando o sétimo ovo ao ninho, todos eclodiram, em simultâneo, gémeos verdadeiros pela hora de nascimento, gémeos falsos por serem de pais diferentes. Sete ovos, sete monangis, cujos pais pareciam ter-se perdido nos prazeres da luxúria. Dizem que o prazer é a porta do inferno, mas para as almas que iam ter com a Dama de Vermelho, era a porta do céu. Depois, bem depois, não era nem inferno, nem céu, apenas o desejo por sexo, sem consciência.

Assim, andava Cyph pelas rochas do Ilhéu, sem consciência, procurando satisfazer o seu desejo. Corpo mole, mas de ponteiro apontado, rumo ao desconhecido para explorar algum recetáculo para o seu ardor concentrado. Ali deambulava, chegando ao fim das rochas, voltava para trás e procurava, sem consciência, sem vida, só desejo. Quem tem desejo tem vida, todos se movem pelo desejo de algo, mas Cyph não sentia vida, vagueava como um animal acéfalo, movido apenas pela sobrevivência. Neste caso a sobrevivência não era alimento ou abrigo, era apenas sexo, sem identidade ou existência.

Não muito longe, na ponta oriental do ilhéu, os magos lutavam desesperadamente contra os sete monangis. Triny buscava atrasar o tempo, retardando-lhes o movimento. A batalha parecia perdida, era uma questão de minutos. O tempo, esse conceito elástico que se reduz quando a vida está em jogo. Mesmo as reminiscências mais estimadas, como o lugar encantado onde o piquenique com Edolon foi realizado, pareciam poder ser varridas na iminência da morte. Pensava que, após o fim que se aproximava, todas as memórias se esvaeceriam eternamente. Somente fragmentos desconexos e sem continuidade, carregados pela corrente temporal. Será possível que Edolon guarde tais memórias, intactas?

Porém, mesmo em meio à frenética contenda, a ausência de Edolon parecia-lhe uma eternidade. O desejo de morar nos seus braços subsistia e a ausência intensificava a perceção de um tempo que nunca mais chegaria. O tempo pode ser simultaneamente breve e longo? Eis o paradoxo que a consumia naquele momento. Ficou imóvel, paralisada pelo pensamento, o suficiente para as bestas se aproximarem.

O Mestre continuava a criar confusão na mente dos monangis. A ilusão que confunde a realidade envenena o espírito, assim pensou o Mestre. O mestre acredita que, quando confundimos a ilusão com a realidade, acabamos nos envenenando espiritualmente, ou seja, afetando a nossa essência, nossa alma. Por vezes para melhor, outras para pior.

Os monangis são criaturas que podem beber do seu próprio veneno que não altera a sua essência. Quando momentaneamente caíram nas armadilhas mentais do Mestre, os monangis dispararam setas entre si. As setas trespassavam os monangis sem provocar dano, e a ilusão desaparecia. Uma ilusão pode gerar também expectativas irreais, desapontamentos e frustrações, o que pode levar ao sofrimento e a uma sensação de raiva. Assim se sentiu o mestre ao ver que a sua ilusão produzira mais efeito nele do que nos monangis.

Dionísios continuava a sua luta, lançando o seu geoastrolábio contra os monangis sem grande sucesso. "Água mole em pedra dura tanto bate até que fura." — Furar, furava, mas o furo se recompunha, a persistência é o fertilizante das raízes do sucesso, estava claro na mente de Dionísios, apesar do seu jeito brincalhão. Lutar contra os monangis era como enfrentar moinhos de vento.

Apolíneo, além de andar a teletransportar os amigos de um sítio para outro de modo e a fugir às setas dos monangis. Tinha ainda de se preocupar com a claridade do ambiente. Havia, estendido o mapa pelas rochas, como se fosse um tapete fino. O mapa, cobria o chão do ilhéu quase de ponta a ponta, ajustando-se aos declives na perfeição. Emitia uma luz branca que com a lua possibilitavam uma luminosidade que lhes permitia ver, embora turvamente, os monangis.

Os sete monangis, acabados de nascer, saíram da gruta e voaram em direção à batalha. Em breve juntar-se-iam aos outros sete. Sete mais sete são catorze, número demasiado elevado para os magos conseguirem sobreviver, teriam que abandonar a batalha antes que o pior pudesse acontecer...

Na outra ponta, do ilhéu, apareceu Corvos, para resgatar as almas que a Dama de Vermelho, havia absorvido.

— Passe-me as almas que tens contigo! — com a sua voz digital, virando-se para Marta!

— Preciso dos meus filhos aqui comigo, para as poder extrair, uma força de atração que as traga à luz.

— Então chama-os, que eu mesmo tratarei dos magos intrometidos. — Milhares de corvos voaram em direção aos magos. Estas criaturas que deambulam entre a morte e a vida. Aprontavam-se para destruir. Embora não se possa adivinhar as intenções de tais criaturas, pelo som horripilante que emanavam, adivinhava-se algo de horrível.

Os magos, espantados, sentiram-se aliviados quando as criaturas abandonaram o campo de batalha. Estava na hora de procurar Cyph e repensar uma estratégia para controlar os monangis. Bem que o podiam ter pensado mais cedo, porque outra ameaça surgiu no ar.

Os corvos alinharam-se em filas circulares, umas por cimas das outras, formando em tornos dos magos uma semiesfera. A luz da lua, entrava pelas frechas entre asas que os corvos deixavam entre si. Apolíneo tentou teletransportar-se, mas a magia não funcionava mais. Nem com ele, nem com nenhum dos outros magos. A semiesfera encolhia e comprimia-se cada vez mais, a luz da lua já não era visível, parecia nada existir para lá da muralha feita de penas negras. Todos lutavam manualmente, em desespero, para derrubar a escuridão que os queria engolir. A morte estava próxima, a luz fora absorvida pelo negrume, o mapa de Apolíneo já não existia.

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