4 O SEGREDO DE CLÉVER

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LUCAS SE SENTOU À ESCRIVANINHA AINDA COM RESQUÍCIOS DE FELICIDADE NO ROSTO. Ao menos, pensava, momentos como aquele com a tia e o primo compensavam as angústias que o perseguiam. Apesar de Miridéia e Jorim serem símbolos do que havia acontecido com ele, sendo obrigado a morar em São Luís, o garoto se sentia à vontade na presença dos familiares, seguro e acolhido. A tia estava com a razão: mesmo sem os pais, ele tinha pessoas que o amavam do mesmo jeito.

Ou até mais.

Tirou os cadernos de dentro da mochila e começou a estudar, mas não demorou para alguém bater na porta. Sem esperar por autorização para entrar, Jorim pôs a cabeça para dentro, constatou que o primo estava acordado e entrou no quarto.

— Atrapalho?

— Claro que sim. Entra aí.

O rapaz escorregou até a cama e jogou-se. Acomodou o travesseiro nas costas e olhou para Lucas.

— Tá, agora me conta o que aconteceu. Mamãe tentou me dizer, mas sabe como ela é... Mais aumenta do que explica.

Lucas virou a cadeira e, como um lutador que se alonga para encarar a luta, começou a contar os acontecimentos daquele dia em detalhes que não chegara a abordar com a tia. Diferente de Miridéia, Jorim não era dado a fazer julgamentos no meio da conversa. Sabia escutar e estimular o diálogo. Ainda mais que ele mesmo já sentira na pele como era o ambiente marmorizado da Escola Damariana.

Antes de Lucas ir morar com eles, há seis anos, a Escola Municipal Agildo Eliaquim, onde Jorim estudou desde o maternal, sofreu durante um ano de fortes chuvas. Os abalos na estrutura do prédio não passaram das costumeiras goteiras e de alguma infiltração em uma ou outra sala. O problema maior foi com a quadra de esportes da escola. Localizada nos fundos do terreno, em uma área de declive, bastou uma chuva mais prolongada para tudo desaparecer: o terreno, as árvores, os equipamentos conseguidos a muito custo, as arquibancadas, o lugar inteiro foi parar dentro do rio. Quando tudo parecia perdido, com a Prefeitura alegando falta de verbas para reconstruir a quadra, eis que surgiu Isaú Fauller.

Acompanhado de jornalistas, vereadores e deputados, o dono da Damariana apareceu de surpresa em frente à Agildo Eliaquim, dizendo-se muito sentido, tocado pela paixão que os alunos tinham pelos esportes. O homem ofereceu a tecnológica quadra poliesportiva da sua escola para que os alunos da escola municipal e também as crianças e os jovens do bairro da Ilhinha não ficassem sem sua prática esportiva. Foi nessa jogada que Jorim foi puxado para aquele mundo, que até então só tinha contato de longe porque a mãe trabalhava na Damariana.

O garoto passou por um turbilhão nos quatro longos (e exagerados) anos que a quadra da Agildo Eliaquim levou para ser reconstruída. Preconceito financeiro, embate entre classes sociais, agressões físicas, humilhações, homofobia, ele e os colegas experimentaram coisas que pareciam muito distantes da realidade deles, situações que só costumavam ver em filmes. A vantagem, como Jorim sempre pontuava, foi a oportunidade de ter conhecido Ronnie Fauller em um dos jogos de futebol que fizeram entre as duas escolas.

Contudo, a aresta nunca resolvida nessa perfeição amorosa foi Cléver.

Quando Lucas terminou de contar a cena na entrada da sala da Coordenação, o primo esticou o pescoço, enfadado.

— O Cléver precisa é se libertar, isso sim.

— Ele não desiste.

— Ele não desiste dos outros. Dele mesmo, já desistiu há tempos — Jorim abraçou o travesseiro, pensativo. — Às vezes, sabe, eu fico me perguntando como teria sido se esse peste não tivesse armado aquilo tudo pra cima de mim e do Ronnie. Por isso que não fico surpreso quando tu conta as coisas que ele faz pra cima de vocês. Mamãe é que finge esquecimento.

Lucas Verdelhos e a Revolução WattpadianaOnde histórias criam vida. Descubra agora