15 FUMAÇA

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PARA A SURPRESA DELES, FUNCIONOU. Ao menos dentro da bolha estudantil. O texto sobre a suposta escola da rede estadual e do suposto filho do prefeito de uma tal cidade caiu em páginas do Facebook sobre colégios da área norte do Maranhão. Daí para as pessoas começarem a levantar nomes e apontar culpados foi um pulo. Professores dessa região do estado até fizeram comentários aqui e ali, mas nada que gerasse grande repercussão. Mesmo assim, foi um sinônimo de vitória: a atenção em cima de Isaú Fauller foi desviada e, coincidência ou não, o homem nunca mais apareceu na escola.

Não que isso significasse alguma coisa, como Evandro lembrou aos amigos em uma das reuniões posteriores.

Baseados na repercussão que aquele tipo de texto teve, tiveram a ideia de fazer minicontos para abordar alguns assuntos como se fossem em outras escolas. Juntaram os comentários e os e-mails recebidos, situações pessoais, fatos que tinham ouvido e produziram em ritmo quase industrial.

A empolgação e a noção de que precisavam de continuidade e de constância de textos, então, fez com que os quatro tirassem todas as noites para fazer chamada de vídeo e produzir algo novo. Contudo, com o passar dos dias e o aumento da demanda, puseram abaixo algumas regras que haviam estabelecido no começo do projeto.

Primeiro, começaram a responder aos comentários no Wattpad para, segundo Domingas, "instigar a interação e estimular mais denúncias".

Segundo, assim como alguns jornais da imprensa oficial, passaram a usar a inicial dos nomes dos denunciantes para identificar as pessoas, já que seria mais difícil apontar ao certo de qual escola se tratava cada texto.

Terceiro e mais transformador, liberaram textos individuais para "dar volume ao livro''. Assim, cada um poderia escrever o que bem entendesse sem precisar da autorização de todos para publicar.

Há um ditado que diz "Quer conhecer alguém? Dê dinheiro, poder ou um carro". Atrás de um volante, muitas máscaras de serenidade caem porque o veículo se torna uma armadura intransponível, como se a raiva, o ódio e as frustrações da pessoa se fundissem à lataria e pudessem ser usados para atropelar o mundo. O dinheiro desperta ganâncias, vontades, desejos empurrados para o fundo da alma e que, diante da quantia, vêm à superfície empurradas por uma sensação de que "a riqueza possibilita tudo".

Das três, a sensação de poder é a mais perigosa.

Enquanto dinheiro e carro são materiais, palpáveis, e exigem certo nível social, o poder está presente no íntimo de qualquer pessoa, independente de idade, situação financeira, gênero ou orientação sexual. É o poderio maternal sobre o filho, um irmão que sabe o segredo do outro, o domínio baseado no sexo, uma informação bombástica que a pessoa tem e sabe que vai destruir a vida dos outros. É diante da sensação de poder que até o mais nobre dos seres humanos fragiliza suas convicções até cometer deslizes.

E foi exatamente esse poder que, em maior ou menor grau, invadiu a alma de cada um dos quatro; uma espécie de ''Síndrome de Super-Homem'', ''Síndrome de Mulher-Maravilha''...


"Escola particular e florida de São Luís, ensino médio, anos atrás. T., menina de 15 anos, gorda, negra, apaixonada por T., garoto da turma do fundão, olhos cor de mel. Aproveitando-se do interesse amoroso, o menino manipulava a colega de todas as formas possíveis. Notas, trabalhos, seminários, apresentações, Feira de Ciências, tudo era medido e usado em vista desse amor. Em clara vivência da Síndrome de Estocolmo, apaixonada por seu agressor, T. soube que seu amado começou a namorar uma vizinha. Desesperada, entrou nas férias de julho com uma decisão: emagrecer para ficar "mais bonita" para que o amado a visse com outros olhos. Um mês depois, qual não foi a surpresa de todos quando T. apareceu quase 30 quilos mais magra. Segundo explicou, embarcou em uma "dieta" baseada em shakes alimentares, laxantes após cada refeição e remédios contra diabetes. O propulsor disso tudo, porém, não se abalou: não apenas ignorou o esforço como juntou os amigos para comporem uma música depreciativa contra a menina. Na canção, versos falavam sobre "de gorda virou pelancuda" e "cagou os quilos para continuar feia". T. nunca se recuperou. Os professores sabiam, viam, ouviam. E nada fizeram. Contribuíram para a morte de uma flor, assim como o colégio florido também sucumbiu anos depois." (3,5 mil visualizações, 55 comentários)


"Havia um menino endeusado pelas meninas de uma escola municipal de uma das cidades da região metropolitana de São Luís. Cabelos pretos caídos nos ombros, olhos verdes, pele alva, tinha como apelido o nome do vocalista de uma banda internacional, algo como "Os Assassinos", se a banda fosse brasileira. O garoto lidava bem com todos os colegas, brincava bastante e, além da beleza, tinha notas muito boas. Com uma peculiaridade: ele sempre se saia melhor nas matérias que tinham homens como professores. Seria apenas coincidência se, em determinado dia, um dos professores não esquecesse o celular desbloqueado na sala, à vista de todos. Curiosos, os alunos pegaram o aparelho na esperança de verem a caderneta de avaliações. Procuraram e encontraram tanto as notas, como uma pasta de fotos com poses ginecológicas do tal garoto. A confusão se espalhou e logo ficou claro que o rapaz era "compartilhado" por praticamente todos os funcionários da escola. O caso nunca veio à público, é claro. Afinal, o diretor e o Secretário de Saúde do tal município também se serviam da mesma ceia." (4,2 mil visualizações, 87 comentários)


"Fazer cocô todo mundo faz. Quem não caga que atire a primeira pedra! Mas você já imaginou as utilidades de uma merda bem feita? Alguns compram massinha de modelar, é claro. Mas um certo diretor de centro de uma faculdade particular prefere brincar com o cheiroso de suas alunas. Tanto o físico, como o gasoso. A merda funcionava da seguinte maneira: o dito cujo atraía uma das cagonas para a sua casa com a desculpa de ajudar nos estudos. Lá chegando, convencia a moça a participar de uma brincadeira em troca de diversas vantagens: notas, horas à mais na carga horária extracurricular, oportunidades de estágio que outras não teriam. E mais dezenas de outras maravilhas que só a bosta pode proporcionar. P. L., que enviou a mensagem para este singelo livro, relata que o diretor tinha preferência por merda mais consistente. Inclusive, ela afirma que era uma das preferidas porque conseguia produzir o material sem necessidade de remédios. Era chegar, forrar o chão com jornal e mandar ver. Este ano, o tal educador foi escolhido por uma renomada revista internacional como símbolo da luta por mais saneamento básico em sua cidade. Prêmio justíssimo! É inegável que de merda ele entende!" (10,3 mil visualizações, 320 comentários)


"Anos atrás. Coordenador de um certo colégio particular, F. era conhecido pelos pais, docentes e discentes por ser alguém firme, ético e que não permitia agressões e preconceitos na escola onde trabalhava. Quando havia uma confusão, bastava aos professores ameaçarem chamar F. para que qualquer confusão parasse. Alguns diziam que era "uma ditadura do bem". F. tinha uma equipe formada apenas por pessoas negras e fazia questão de deixar isso evidente. Porém, seu principal feito era o de controlar os filhinhos de papai, alunos que tinham o mundo nas mãos, mimados, mas que, diante do coordenador, calavam-se. Os aplausos a ele eram efusivos e duraram anos. Até o dia em que um dos principezinhos, um recém-chegado do exterior, ainda não acostumado às regras, apontou um dedo para um professor e acabou levado para F. cuidar. Todos pensaram que o assunto acabaria e não se falaria mais nisso. Só não contavam que o aluno tivesse trazido na bagagem uma caneta espiã, algo ainda raro naquela época em terras verde-amarelas. No dia seguinte, lá estavam as imagens de F., nu, boca na botija, pedindo para que o rapaz o chamasse de "tição safado", "escravo", "escurinho". E os apelidos pioravam conforme as posições se tornavam mais ousadas. O filme do garoto fez sucesso entre os grupos de Orkut da época, mas foi devidamente censurado pela direção da escola." (15,1 mil visualizações, 1,5 mil comentários)


"São Luís, Maranhão, Brasil. Banheiro do terceiro andar de uma renomada escola particular. Final da tarde. Filhos e filhas da elite local. Comércio constante de produtos ilícitos, nacionais e importados. Grande volume de dinheiro. Agradinho para professores e funcionários. Momento de oração do segundo andar. Fumaça do banheiro misturada à fumaça das velas. Diversidade." (20,9mil visualizações, 2,4 mil comentários)

Um dos meus apelidos da escola era "Diário", pois, muitas pessoas me contavam segredos e eu os guardava e guardo até hoje. Para quem perguntou, aí está a inspiração. Há muita coisa estranha por baixo dos tapetes caros e reluzentes das fotografias endeusadas pelas pessoas. Uma lição que absorvi da época em que fui assessor de imprensa é que nós não conhecemos nossos ídolos, políticos, religiosos, instituições edificantes, etc. Mergulhe para conhecer e não emergirá são. E vá ainda mais fundo para fugir das labaredas que esses textos provocarão. Um incêndio se aproxima deste livro...  

Lucas Verdelhos e a Revolução WattpadianaOnde histórias criam vida. Descubra agora