12 FAGULHAS (parte 2)

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HÁ DISCUSSÕES QUE MUITAS DAS VEZES NÃO SE SABE COMO COMEÇAM. As pessoas estão juntas, brincando, compartilhando o momento. O vento muda, ocorre uma respiração ruidosa demais, as batidas das asas de uma borboleta foram um pouco mais fortes. E do nada, aquelas cálidas pessoas estão com dedos apontados uma na cara da outra como se nunca tivessem sido amigas.

O nome disso é ser humano.

Bastou Domingas discordar mais uma vez de Otávio sobre o tom do próximo texto para o Wattpad. O garoto não gostou, disse que os amigos não queriam escutar a proposta dele e ameaçou ir embora. Evandro o acalmou e Lucas pediu para a amiga maneirar nas respostas irônicas e para Otávio procurar falar com mais serenidade sobre certos assuntos. E aí, brigaram de novo.

A poeira só baixou quando Evandro expressou um sentimento que era comum aos quatro:

— Tá, a gente faz um texto logo tapa na cara, chute na porta, contando a nossa história e dando nome aos bois. Aí, vamos supor que esse segundo texto, com nossos nomes, bombe pela internet e caia, sei lá, num desses programas matinais que adoram fazer discussões desse tipo. Vamos lá: levanta a mão quem está preparado para as consequências dessa super exposição.

Nenhum movimento, cabeças abaixadas, egos engolidos.

— Ótimo. — Vandro se empertigou. — Então, acabou a discussão. Nós somos um time e faremos o texto como um time. E ponto final. Todo mundo de acordo?

Acordo feito, trataram de trabalhar no texto.

— Tem algum e-mail de denúncia?

— Eu acho difícil — mas Domingas mesmo assim abriu o e-mail do Divulgador para verificar. E soltou uma exclamação. — Gente! Gente, tem uma mensagem!

— Tá brincando!

— É sério, Lucas. Ouve só: "Oi, meu nome é Roberto Ludi, fiz o terceiro ano na escola Damariana, em São Luís, Maranhão. Quero contar uma coisa que aconteceu comigo naqueles dias e como isso tem afetado minha vida até os dias de hoje." E... Uau! Ele conta um monte de coisa aqui!

Otávio estava pálido, Lucas sorria de orelha a orelha.

— Então, bora escrever, ora essa!

— Mas cês acham que escrevemos um texto novo baseado no que ele disse, ou só colocamos a mensagem dele mudando algumas coisas?

Domingas coçou a cabeça.

— Eu acho melhor a gente produzir um texto novo, ainda mais para ficar parecido com o estilo do primeiro capítulo.

— E a gente coloca algo tipo ''relato do R.L''?

A pergunta de Otávio provocou um momento de reflexão coletiva. Por um lado, revelar que aquele relato chegara até O Divulgador reforçava a mensagem de que aquele livro seria uma construção coletiva, aberta ao público. Por outro, mesmo que usassem apenas as iniciais, haveria o risco de alguém do Conselho com acesso aos documentos antigos da escola descobrir de quem se tratava.

— Eu acho — Lucas ponderou — que podemos só deixar uma mensagem no começo do capítulo, algo como ''relato enviado por um leitor''. O que vocês acham?

Todos concordaram. Animados, deixaram as rusgas para outro momento e uniram-se em prol da redação. E foi com essa empolgação que saiu o segundo texto do livro "Revelações & Podridões Escolares em São Luís":


"Outubro, 2010. Era uma tarde de quarta-feira, almoço de luxo numa escola de luxo, comida saudável em ambiente tóxico. Um certo aluno de uma conhecida e prestigiada escola de elite da capital maranhense deixava o banheiro masculino do primeiro andar, ala Oeste, quando foi empurrado de volta por três colegas. Um deles chegou a apalpar suas partes íntimas antes de virá-lo com as mãos presas nas costas e o rosto contra o espelho. A escola em questão se vangloria de ser adepta aos valores da família tradicional brasileira e da moral e dos bons costumes. O que digo é que naquela tarde de quarta-feira, nas dependências daquele banheiro, esses maravilhosos valores familiares, ainda bem, foram seguidos à risca. Antes de comerem sua refeição, os três colegas rezaram uma oração de xingamentos sagrados. Depois, dividiram a ceia como bons cristãos e ainda honraram pai e mãe ao dizerem ao colega que se ele contasse para alguém os pais deles infernizariam a família da vítima. Ao sair do banheiro, abalado, o garoto procurou nossa coordenadora e contou o que aconteceu. Teve efeito: no dia seguinte, os pais do garoto foram chamados e participaram de uma reunião com o dono da tal escola. O homem indenizou a família em troca de seguirem um importante mandamento da lei de Deus: não darás falso testemunho contra o teu próximo. E não o fizeram. E assim, a querida escola continuou altiva e defensora dos bons costumes dos cidadãos de bem desta nação. Obrigado pela leitura, até o próximo mergulho. E não esqueça: se você tiver um relato, um desabafo, qualquer mensagem, é só mandar uma mensagem para o nosso e-mail que está no perfil e ao final deste capítulo. Lembre-se: o Divulgador está com você. Não se cale!"

O anonimato impulsiona revelações. A balança entre realidade e ficção promove mergulhos. Um texto, um livro, atrai transformações. O "Roberto Ludi" precisava falar. Obrigado pela confiança. Viu o poder do Wattpad? Para além da brincadeira, além das fan fics, conhecemos vidas por trás de perfis sorridentes. Exume essas vidas! Exume essas histórias! No próximo capítulo, é a vez de "Jorim" contar a história dele.

Lucas Verdelhos e a Revolução WattpadianaOnde histórias criam vida. Descubra agora