7 AS TRÊS MORTES (parte 2)

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TALVEZ POR PENA DE EVANDRO, TALVEZ POR UM ROMPANTE À LA PROFESSOR BÉLIS, A PROFESSORA FARANE MUDOU O RUMO DA AULA DEPOIS DAQUILO. Parecendo muito abalada quando voltou da enfermaria, informou à sala que a aula seria diferente. Com um discurso de que as pessoas precisavam ter mais atenção com o outro, decidiu que os alunos deveriam escrever um texto, em formato de carta ou poesia, para desejar melhoras ao colega.

O único problema era que a professora Farane não tinha a audácia do professor Bélis.

Durante os dois primeiros tempos de aula, o único som na 9-C foi o de lápis e canetas rabiscando o papel. Apesar da facilidade que tinha em escrever, porém, Lucas não conseguia se concentrar. Ao olhar para o lado, notou que Domingas estava na mesma situação. Atrás dele, Otávio também estava preocupado. Os três (e uma parte dos colegas) sabiam que aquela ideia da professora era o mesmo que colocar uma arma nas mãos de alguém que só queria uma desculpa para atacar.

Lucas espiou o final da fileira. Cabeças próximas, Cléver e Túlio rabiscavam algo e gargalhavam baixinho, empolgados com o que saía daquelas mentes.

— Lu, não te preocupa. Tu acha que aqueles dois conseguem fazer algo que preste?

— É. Mas não precisa ser algo maravilhoso para fazer um estrago, né?

— Ainda bem que o Evandro não tá aqui.

Foi só Otávio terminar a frase para a porta abrir e Evandro aparecer, rosto tranquilo e comendo raspas de gelo. A professora, saída do seu torpor reflexivo, levantou-se e impediu que o aluno fosse para o lugar de costume.

— Não, não, meu querido. Você se senta aqui — e arrastou a cadeira dela para o meio do tablado. — Ah, meu querido, os seus colegas têm mensagens para você. Sim, sim, não precisa fazer essa cara de assustado. Nós — olhou para a turma e assentiu — precisamos que você saiba que é muito benquisto por todos.

Evandro engoliu um punhado de raspas de gelo só de uma vez e fez cara de desconforto. Tossiu.

— Por... todos? A senhora tem certeza?

— Ora, querido, é claro que sim. Precisamos deixar as rusgas de lado. Às vezes, a vida exige o sacrifício de escutar o que todos têm a dizer. Mesmo aquelas pessoas que dizem não gostar muito de nós.

Do nada, bateu palmas e chamou uma menina para iniciar o que chamou de "momento de empatia".

No começo, não foi tão ruim. As pessoas foram espertas ao trazerem textos mais genéricos sobre empatia, focando em qualidades de Evandro, mas sem citar os casos de agressões. Um garoto escreveu um poema enaltecendo a coragem do colega em "ser quem nasceu para ser" e uma menina mergulhou em reflexões sobre "o espelho que não temos coragem de encarar, mas Evandro teve". Lucas não parava a perna quieta. Nem a emocionante carta de Domingas ("Minha querida, acho que morrerei de amor por esse texto! Palmas, palmas!") fez a atenção dele largar as artimanhas de Cléver e de Túlio.

— Agora, meus bens, vamos ver, vamos ver... Sim, queremos ouvir o senhor Túlio.

— Acabou-se, meu povo! O cão do inferno vai falar — Otávio começou a roer as unhas.

Algo que ninguém compreendia era como Túlio, um homem com visíveis traços indígenas, conseguia andar com gente tão preconceituosa como Cléver. A boataria era que o garoto cortava o cabelo na altura 1 só para não deixar os fios lisos e pretos crescerem como os dos seus antepassados. Mas os olhos e o tom de pele deixavam claro as raízes dele. Mais ainda, o sobrenome Oiticica, que ele escondia ao querer ser chamado apenas de Túlio O.

Evandro ficou paralisado quando o colega subiu no tablado. Lucas notou que ele prendeu a respiração. A professora não percebeu.

— Ah, vamos, vamos. Pode começar, meu querido.

Lucas Verdelhos e a Revolução WattpadianaOnde histórias criam vida. Descubra agora