10 AGRESSÕES ONLINE (parte 2)

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LUCAS DESCEU NO PONTO DE ÔNIBUS E SÓ NÃO CAIU PORQUE UMA SENHORA O AJUDOU. Ele agradeceu pela gentileza e decidiu se sentar por um tempo antes de entrar na escola. A conversa com a tia fez com que, mais uma vez, sonhasse com o boi-homem. Contudo, houve uma novidade: o crânio de boi parecia ainda mais fundido à cabeça humana. O menino conseguiu até vislumbrar olhos dentro daquela fenda-abismo.

"Eu não quero lembrar! Eu não quero lembrar".

Metros adiante, ele viu o vai-e-vem de carros na porta da escola, alunos se cumprimentando, os porteiros com sorrisos forçados nos rostos. Se um cinegrafista posicionasse uma câmera na calçada oposta e filmasse aquilo tudo, teria uma típica cena de um colégio americano. Se acrescentasse um daqueles ônibus amarelos, bingo!, perfeição cinematográfica.

"É, mas até numa escola americana tem mais gente preta do que na Damariana...", refletiu.

Arrumou a mochila nas costas e caminhou para seu martírio. Como era o comum, à medida que se aproximava alguns pais e mães olhavam para ele por detrás dos vidros esfumaçados dos carros. Certa vez, lembrava-se, uma mulher o parou na rua e reclamou que algumas árvores da entrada da escola precisavam de poda e de água. Quando ele disse que não era jardineiro, mas sim aluno da escola, ela quase cavou um buraco ali mesmo e se enterrou.

Não nasceria nada daquele plantio.

Era algo a se pensar como um estado majoritariamente negro, cheio de comunidades quilombolas e terras indígenas, não conseguiu reverter o racismo ao longo dos séculos. A sorte, ele pensava, era que, diferente de outros estados do país, a realidade fora dos muros da Escola Damariana era de uma diversidade que não podia ser ignorada. São Luís é uma cidade preta, parda, negra, branca, indígena.

O pensamento lhe deu fôlego e foi assim que Lucas subiu os degraus e entrou no hall.

A primeira coisa que notou foi a ausência de Evandro. Estranhou. O amigo podia cair de febre que estaria ali antes de todo mundo. Dona Cíntia, a mãe dele, fazia um trabalho pastoral junto às comunidades das palafitas para estimular que as crianças fossem para a escola, ação que começava nas primeiras horas da manhã. Por isso, Vandro se acostumou a acordar junto com a mãe e aproveitava a carona para a escola. Chegava tão cedo que os porteiros brincavam que dariam uma cópia da chave do portão para Evandro.

Lucas se sentou a um canto, incomodado com a ausência do amigo. Pegou o caderno para revisar uma matéria qualquer, quando se assustou ao escutar o pânico gargalhar. Porém, notou que a risada não estava restrita apenas à sua mente, vinha de fora, metros à frente onde Cléver, rodeado pela trupe, mostrava algo no celular e provocava balbúrdia.

— Tu já viu?

Domingas brotou ao seu lado, rosto tenso, ofegante. Estava com o celular nas mãos.

— Vi o quê?

— Eles passaram dos limites, Lucas!

E mostrou o celular.

O que logo chamou a atenção do menino foi a quantidade de comentários na publicação do Twitter: 345. Na foto que encabeçava a discussão, de um lado estava a imagem de uma garotinha de cabelo trançado com vestido de festa junina. Do outro, uma foto de Evandro, sorridente, que Lucas sabia estar no Instagram do amigo. A fotografia era uma comemoração de quando os primeiros pelos nasceram no queixo de Vandro. E sobre as duas imagens, uma frase: "Como isso virou isso?".

Lucas estremeceu. As gargalhadas da corte do rei-sol soaram como tambores de guerra. Ele balançou a cabeça, encarou Domingas.

— A foto. Como eles conseguiram essa foto? Quer dizer, o nome — lembrou-se da conversa com a tia —, o nome de batismo dele pode estar na internet, acho que tem como saber dessas coisas, sei lá. Mas a foto!

Lucas Verdelhos e a Revolução WattpadianaOnde histórias criam vida. Descubra agora