12 FAGULHAS (parte 1)

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LUCAS CHEGOU EM CASA EMPOLGADO. Enquanto o sobrinho falava, Miridéia se admirava, sentada para escutar as novidades tomadas pelo quarteto. Concordava com o garoto quando era a hora certa e erguia as sobrancelhas nos momentos de tensão daquela história. Quando o garoto, exausto e ainda com a farda da escola, terminou o relato, a mulher olhou para Jorim e de volta para Lucas.

— Quer dizer que ninguém, ninguém mesmo, vai saber que são vocês?

— É, tia. A gente pode escrever o que quiser debaixo desse personagem "O Denunciador". É só não dizer nomes, entende? Dar detalhes, mas sem nomear as pessoas.

— Mas se vocês são as pessoas mais atacadas daquela escola, não é óbvio que todos vão pensar que vocês quatro, ou um de vocês, foi o criador disso tudo?

A pergunta anuviou um pouco da energia de Lucas, mas ele não se deixou abalar.

— Bem, sim... Mas eles não vão ter como provar que somos nós.

— Certo. E como isso vai ajudar vocês pra tu estares nessa empolgação toda? Quer dizer: não vai ser como chegar e meter logo um processo na cara...

Jorim respondeu a essa:

— Mãe, esse tipo de texto-denúncia viraliza fácil na internet. É o que mais tem. As pessoas gostam de ver o circo pegar fogo. É só ligar no jornal pra ver como está cheio de reportagem sobre desgraça.

— E as novelas são só vingança e desgraça também — Lucas relembrou.

A mulher balançou a cabeça entre um concordar e um discordar. O menino sabia que momentos assim eram quando a tia debatia com ela mesma sobre vantagens e desvantagens de algum assunto. Jorim estava com pernas e braços cruzados, expectativa pelas palavras da mãe. Lucas percebeu (ou pensou perceber) que uma nuvem passou pelo olhar dela.

— Tá certo. Entendi. Acho que entendi. Eu... Eu só espero que vocês saibam direitinho o que tão fazendo.

— A gente sabe.

— E tenham força e bala na agulha pra enfrentar o vespeiro — ela reforçou.

Jorim desdenhou

— Eles vão queimar o vespeiro por dentro, mamãe. Quando as vespas se derem conta, o estrago já vai estar feito.

Miridéia ficou ainda mais serena.

— Tem certas guerras, Jorim, Lucas, que é preciso muito mais do que um incêndio pra vencer. Espinheiro é uma planta de raiz funda. E não é tão fácil de ser arrancada.

— A senhora já encarou um espinheiro, mãe?

— Todo mundo, cedo ou tarde, escara seus espinheiros, Jorim. E todo mundo, mesmo que não mostre, guarda cicatrizes da guerra contra os espinhos que a vida impõe. Isso quando os espinhos não permanecem perfurando o peito, mesmo após a vitória.

E com esse enigma-recomendação, ela os deixou cheios de dúvidas. Por debaixo da mesa, Lucas fechou o punho, as unhas contra a carne.

Doeu como se um espinho o relembrasse de seus fardos.

***

"Era mais um dia naquela escola que mais parece um hotel de luxo de São Luís. Pelas ruas da cidade, uma greve de professores afetava várias avenidas. Foi uma sorte. O engarrafamento em frente do tal colégio trouxe consigo um véu de buzinas que encobriu os gritos de socorro. Não que esse véu fosse alguma novidade. Na minha escola, tudo que não reluz a ouro e gente loira não chega aos ouvidos dos coordenadores e da direção. Por isso, quando uma certa menina do primeiro ano do fundamental, carneiro de inocência, foi encurralada no corredor da sala de projeções do segundo andar, ninguém escutou seus gritos. E mesmo que escutassem, uma certa coordenadora-geral provavelmente se fingiria de surda. Era capaz mesmo de dizer que tinha esquecido as orelhas em casa. O motivo era simples: os meninos que botaram medo na criança são filhos de amigos do dono dessa tal escola-palácio."

Lucas Verdelhos e a Revolução WattpadianaOnde histórias criam vida. Descubra agora