11 O WATTPAD (parte 1)

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HÁ CERTOS MOMENTOS DA VIDA QUE VOCÊ ACHA QUE NUNCA IRÁ VIVENCIAR. Para Otávio e Lucas, sem dúvida, era ver Domingas com eles do lado de fora da escola à espera de irem embora no meio do dia. O feito se tornava ainda mais significativo porque a coordenadora-geral colocou diversos empecilhos para impedir a saída deles, apesar das autorizações dos responsáveis. O impasse só foi solucionado quando o pai de Domingas ameaçou Soledade de manter os adolescentes em cárcere privado e relembrou-a de que ele mesmo já vira Cléver, Túlio e Francis saírem nos mais diversos horários sem problema algum.

O que intrigava os dois garotos era o fato de a amiga se manter calada sobre os passos que gostaria de seguir. Tentaram puxar conversa durante a manhã, mas foi o mesmo que falar com uma parede (com a vantagem de que uma parede não responde grosserias quando é perturbada).

Agora, enquanto Félix buscava o carro, Otávio aproveitava para fazer mais uma tentativa.

— Então, a gente tá aqui, né? Dia bonito. — Domingas o olhou de cima a baixo e virou a cara. — Pois é. Mas a gente tá aqui mesmo pra quê? Alguém sabe a resposta? — Instigou Lucas. — Alguém? Lucão?

Lucas balançou a cabeça. Conhecia o gênio da garota e não queria causar a próxima guerra. Agradeceu aos céus quando o carro parou diante deles e foram embora.

O pai de Domingas, Félix Cevelis, era diretor de uma agência de publicidade. Grande responsável pelo empoderamento da filha para que a menina nunca tivesse vergonha do vitiligo, ele tinha muitas questões sobre o modo como a escola conduzia certas questões. E esse sentimento, pelo que Lucas recordava, só aumentava a cada vez que tinha a oportunidade de conversar com o publicitário.

— Só me faltava essa: eu sou o pai da aluna, eu digo que a autorizo a sair da escola e aquela criatura que se diz coordenadora-geral quer me impedir. — Passou um semáforo no sinal amarelo e buzinou de volta para um motociclista que vinha em sentido contrário. — Essa escola mudou muito desde que eu e a tua mãe estivemos lá. Cada vez pior.

— O senhor gostava de lá? — Lucas se arrependeu da pergunta. O homem gargalhou e quase subiu na calçada. Ao seu lado, Otávio estava cada vez mais verde.

— Que gostava que nada! O velho Fauller, pai do Isaú, era um bosta fedida que nem o filho. A diferença era que, por ser na época de ferro da Ditadura, os alunos eram mais amedrontados e não faziam tanta besteira. Mas de resto era a mesmíssima coisa: um bando de riquinhos, todos com o rei na barriga e achando que o planeta gira em torno do umbigo deles.

Quando Otávio comentou que ia vomitar o almoço, Seu Félix segurou o volante com a mão esquerda, debruçou-se por cima de Domingas e abriu o porta-luvas com a mão direita. Pegou três sacolas de supermercado e jogou para trás. Freou a centímetros do para-choque de um caminhão.

Os olhos de Domingas estavam saltados.

— Pai, por que o senhor não me pediu pra mim?

— E vocês lá fazem as coisas direito? Essa história do filho do Fauller, por exemplo. Eu já teria metido-lhe um processo no fiofó que esse rapaz nunca mais ia fazer uma graça dessas.

— Pai, o senhor sabe mais do que ninguém que o Isaú é amigo de tudo que é juiz de São Luís.

— Ah, nem me fale...

Quando os ataques contra Domingas pioraram, os pais da garota chegaram a processar o colégio por omissão e conivência com os atos de preconceito. O processo correu. Para onde foi, porém, ninguém sabe. Pelo que Domingas relatou para os amigos, estava parado em algum instância sem prazo para prosseguir. Coincidência ou não, o juiz do caso estudou com Isaú na Damariana.

Lucas Verdelhos e a Revolução WattpadianaOnde histórias criam vida. Descubra agora