2 COLEÇÃO DE DENÚNCIAS

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ENQUANTO ESPERAVA PELA COORDENADORA-GERAL, LUCAS TORCIA PARA SER ENGOLIGO PELA CADEIRA - engolido e vomitado bem longe daqueles muros. Tida como a melhor instituição de ensino de São Luís, uma das melhores do Brasil, a Escola Damariana foi uma escolha óbvia para Miridéia ao se ver com a guarda do sobrinho e como tutora da herança deixada pelo pai do menino. Queria dar a Lucas o que não conseguira oferecer nem mesmo ao filho, Jorim. Contudo, seus tempos como ex-tesoureira da escola pareciam ter ficado tão no passado que ela esquecera dos horrores que um colégio cheio de alunos de elite pode causar a alguém tido como "diferente".

Um quadro de professores excelente, recursos tecnológicos dignos de uma universidade federal, salas climatizadas, aulas em período integral, destaque no ENEM, todo esse esplendor servia como máscara para a realidade do muro para dentro. Lucas sentia como se cada tijolo, prego, telha daquele prédio o repelisse; tivessem sido colocados para expor o quão diferente ele era da maioria dos alunos. Havia outros estudantes negros, porém, diferente de Lucas, nenhum era retinto; "preto, preto", como Miridéia falava. E nesse universo de colorismo, quando uma pessoa retinta desponta nesse meio de alunos negros que se diziam "mais claros", Lucas virou um ímã de atenções.

E de bullying.

Dia da Consciência Negra? Foto de Lucas Verdelhos nos outdoors da escola espalhados por São Luís. "Orgulho, união, respeito: somos uma escola para todos!", bradava a mensagem. Desde que o garoto entrou no colégio, ele foi o garoto-propaganda de todos os 20 de novembro da Escola Damariana. Quando perguntou se os outros alunos negros já tinham sido convidados para fazer campanhas desse jeito, a resposta foi um claro e sonoro:

"Não, claro que não. Eles não 'se encaixam' na proposta, meu bem".

Lucas olhou através da porta de vidro. Lá fora, a professora Lucimar conversava com uma mulher de cabelo alisado até o meio das costas e um tailleur branco tão chique que fazia a senhora matemática parecer uma mendiga. Ao redor das duas, o porcelanato (branco), as paredes (brancas), o mármore das escadarias (branco), o uniforme de alunos e professores (brancos) contrastavam com a bandeira da escola hasteada no pátio. Balançando ao vento, o rosa e o azul do brasão gritavam obviedades silenciosas.

O menino fechou os olhos e balançou a cabeça.

— Esse pessoal tá todo cego. Ou se finge de cego.

— Quem?

A coordenadora estava parada diante dele, porta já fechada atrás de si, a branquitude da roupa ferindo os olhos.

— Ninguém, professora. Só... Só pensei alto aqui.

— Pensar alto, devanear, refletir, conjecturar... — Soledade contornou a escrivaninha, as unhas vermelhas tamborilando no vidro. Sentou-se. — Eu acho que vocês, ainda tão jovens, não deveriam pensar tanto. São muitos problemas, fardos, tantas dificuldades. É cansativo viver desse jeito.

Lucas cruzou os braços.

— A senhora acha?

— Mas é claro que eu acho. Se vocês apenas, como eu posso dizer, procurassem compreender o outro lado, entende? Procurassem sentar e dialogar com os coleguinhas, as coisas seriam mais fáceis, Tiago.

— Lucas.

— Como?

Lucas. O meu nome é Lucas. Professora.

Ela fez um gesto como se afastasse um mosquito do rosto.

— Lucas, Tiago, todos apóstolos de Nosso Senhor Jesus — sorriu. — Bom, Lucas, a professora Lucimar me contou o motivo de tê-lo trazido para cá...

Lucas Verdelhos e a Revolução WattpadianaOnde histórias criam vida. Descubra agora