19 CAÇA ÀS BRUXAS (parte 1)

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"Um fundamento de qualquer escola é a necessidade de dividir responsabilidades com as famílias. Nenhum colégio é capaz de formar cidadãos competentes, conscientes em relação ao mundo, sem o aporte do seio familiar. O ensinado em sala de aula, sejam questões relacionadas às matérias, sejam questões morais, deve ter o reforço do diálogo dentro de casa. É assim que a comunicação escola-pais constrói bases para o melhor ensino possível. Na Escola Damariana, em São Luís, Maranhão, não é diferente. Desde a fundação da instituição em 1955, a Damariana se destacou por ter um Conselho Estudantil formado em sua maioria pelos responsáveis dos discentes. O objetivo do projeto era e ainda é tomar decisões que se norteiem pelo interesse dos maiores beneficiados: os alunos. É uma iniciativa importante. Na teoria, veja bem. Na prática, principalmente desde que Isaú Fauller começou a gerenciar a instituição, o Conselho Estudantil funciona como um anteparo que impede o prosseguimento de muitas denúncias de abusos cometidas dentro dos muros do colégio. Tenhamos sensatez: em uma escola de elite, com alunos que são filhos de vereadores, deputados, prefeitos, senadores, donos de empresas de mídia, você acha que isso daria certo? Em um lugar onde esses mesmos abençoados são os responsáveis pelas agressões, você acha que o Conselho de Pais iria punir o sangue de seu sangue? Seria possível, sim, em uma sociedade ideal, com valores que não fossem regidos pelo "faz-me rir", pelo Q.I (Quem Indica) ou por uma sensação de impunidade regida pelo poder aquisitivo. Na Damariana, é o contrário. Fundamentada na defesa da "moral, família e bons costumes cristãos", onde os pais defendem a pátria e os cidadãos de bem (eles mesmos e seus filhos, leia-se), qualquer chance disso dar certo some no vento da arrogância." (80,9mil visualizações, 8,1 mil comentários)

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PROFESSORES SÃO PROFISSIONAIS EM ESCONDER SENTIMENTOS ÍNTIMOS. Primeiro, para que isso não interfira no bom fluxo da aula e da profissão. Segundo, para não fornecerem aos alunos ingredientes emocionais que poderiam ser uma arma contra o educador. Contudo, naquela manhã, o clima entre os docentes da Escola Damariana estava tão denso que era impossível esconder qualquer realidade, por mais esforço que fosse feito.

Quando Lucas entrou na escola e foi se sentar em um dos bancos, foi advertido pelos seguranças de que o Conselho Estudantil proibira reuniões. Segundo a norma, se mais de três alunos fossem vistos juntos corriam o risco de advertência, suspensão ou até de expulsão. Portanto, a ordem era chegar e ir direto para as salas de aula, onde um professor já aguardaria.

Ao entrar na 9-C, Farane, professora de Redação, já estava na cadeira, mas não parecia nada bem. Dada a ataques teatrais, a mulher murmurava sozinha ante a chegada de cada aluno. Os óculos estavam na ponta do nariz, o que dava à professora um cômico ar de desolação. Sentada de frente para ela, estava Lucy. Vez ou outra, a garota era obrigada a se abaixar para pegar uma caneta ou algum papel que a mulher empurrava a esmo.

— Ela tá fazendo papel de carpideira — Domingas comentou entredentes quando Lucas passou ao lado dela.

— O que é isso?

A garota revirou os olhos para Evandro.

— Ai, mas vocês são difíceis. O Otávio deve saber — Lucas percebeu que ela tentou puxar assunto com o colega, mas Otávio estava concentrado em um livro e assim continuou. — Bom, carpideiras são mulheres, em sua maioria, que são contratadas para chorar em velórios, fingir que o morto era querido, deixou saudades.

Vandro olhou para a professora.

— E ela tá chorando por quem? Por ela mesma?

— Por ela e pelos colegas, pelo visto — Domingas explicou. — Quando eu cheguei, vi o pessoal da cantina comentando que os professores foram chamados ontem à noite para uma reunião com o Isaú. E pior é que foi antes de alguém ter publicado esse novo texto.

Lucas Verdelhos e a Revolução WattpadianaOnde histórias criam vida. Descubra agora