25 "LUCAS VERDELHOS" (parte 1)

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PASSOU-SE UMA SEMANA SEM QUE LUCAS PISASSE NA ESCOLA. No começo, não havia falado com a tia sobre o assunto, mas havia um acordo evidente de que não fazia mais sentido continuar com o fingimento de que a Damariana estava às mil maravilhas. O dono preso, vários integrantes do Conselho Estudantil investigados, sonegação de impostos, evasão de divisas, formação de quadrilha. A coordenadora-geral denunciada por assédio moral, funcionários sendo chamados para prestar depoimentos, processos iniciados por vários pais, exposição midiática massiva.

Se o colégio sobreviveria ou não, era uma incógnita. Mas era fato que a Escola Damariana, do jeito que conheciam, com toda aquela armadura de excelência, estava fadada a ganhar tal fama que demoraria alguns bons anos para o lodo começar a ser diluído.

Lucas acordou às três da manhã daquele domingo. Quando programou aquela ação, àquela hora, sabia que a ausência de sono influenciaria seu primeiro dia na nova escola, na segunda-feira.

Ele corria o risco de perder o ano, mas graças ao professor Bélis e à comoção causada pela situação dos alunos da Damariana, conseguiu vaga em outra escola para terminar o ano letivo. Colégios menores, sempre ignorados por Isaú Fauller, fizeram o que o empresário nunca fez: estenderam a mão num momento de ajuda.

Espreguiçou-se e começou a arrumar toda aquela papelada na mochila. Fora dormir tarde imprimindo tantas cópias. Por sorte, os amigos ajudaram e conseguiram um bom volume de material. Muitos se perguntaram o porquê dele não fazer aquilo no Wattpad, afinal, tudo começara na plataforma. O caso é que Domingas sempre lhe dissera algo importante: "o Wattpad é apenas um laboratório quentinho de escrita. Chega uma hora que é necessário sair dessa bolha."

E era por isso que ele estava com tantas resmas nas mãos.

Saiu do quarto (ainda sem uma porta decente desde o rompante de heroísmo de Jorim) e encontrou a tia, o primo e Ronnie já tomando café. Jorim se limitou a fazer um joinha, os olhos fechados, cabeça no ombro do namorado. Ronnie piscava lentamente como se estivesse bêbado, a aparência de vampiro ainda mais evidente. Miridéia também estava com sono, mas exibia um arzinho mais disposto que aumentou de nível quando a campainha tocou.

Lucas saiu correndo.

Ao abrir a porta e ver tantas pessoas ali, por causa dele, sentiu o corpo inteiro se arrepiar. Otávio, Evandro, Domingas, Lucy, Merillan e os respectivos pais e mães; a professora Déa e a esposa, Dona Hermínia, todos sorriam para ele. Alguns deles estavam no mundo de Morfeu, mas todos, Lucas notou, dispostos a seguir com o planejado.

Seria o ponto final em uma jornada de agressões e desrespeito. Caras de sono, disposição de luta.

Pediu a todos para entrarem, mesmo que ficassem apertados na casa diminuta. Precisava falar-lhes algo.

— Pessoal, muito obrigado pelo apoio de vocês para...

— Lucão — Otávio estalou os dedos —, não vai dar uma de Fidel Castro, por favor.

A mãe dele, Mabel, deu-lhe um tapa no alto da cabeça.

— Deixa o menino falar. Que coisa! É um momento especial.

— Ainda mais de madrugada — Félix, pai de Domingas, esfregou as mãos. — Ó Miridéia, vai ter aquele cafezinho no ponto quando a gente voltar, né?

— Com bolo de tapioca quentinho e um beiju com coco que só eu sei fazer — a tia vangloriou-se, mas Jorim não podia perder a oportunidade de provocar a mãe.

— Só sabe fazer porque tem as minhas mãos e as do Lucas pra passar a tarde ralando coco pra ela e preparando ingrediente.

— É, mas só me basta uma mão pra tacar havaiana na cabeça de gente saliente.

— Gente, gente — a professora Déa foi para o meio da sala. — Sem violência! Sem violência! Somos todos adultos.

— Eu sou um adolescente pequenininho.

A professora revirou os olhos.

— Eu espero que na nova escola tu encontres uma professora muito paciente, viu, Otávio?

— Tá, eu vou ser rápido — Lucas retomou a palavra. — Eu sei que foi tudo em cima da hora, mas eu preciso fazer as coisas desse jeito. Claro, podia ser pela internet, alcançaria mais pessoas, mas não é sobre números, viralizar, ter milhões de acessos. É sobre sair dessas bolhas, tocar, experimentar ali, ao vivo. Decidi fazer assim para que as pessoas não exatamente recebam o texto de forma gratuita, mas sejam provocadas a irem atrás. É... É isso. Bom, eu só posso agradecer a ajuda de cada um de vocês. Esse apoio é muito importante. Obrigado de verdade. Ali estão as resmas com as folhas, rolos de fita e tubos de cola.

— Meu Deus, que discurso ruim! Folha, fita e cola. Que jeito de terminar.

Lucas concordou com Otávio: não tinha mais o que falar, não havia a necessidade de grandes discursos. Era hora de agir, sair da teoria, impulsionar transformação.

Divididos como melhor convinha, organizaram-se com base na oferta de carros. O objetivo era distribuir o QR Code de acesso ao texto (ou o próprio texto impresso) cidade afora, pela maior extensão possível. Lucas, Evandro, Domingas e Otávio, pelo contrário, decidiram rodar pelo bairro de bicicleta. Todos esperaram o relógio marcar 4 horas, revisaram o plano e, então, começaram a sair.

Recepcionados pelo abraço de silêncio da cidade, ruas desertas, tudo fechado nas primeiras horas de domingo, foram de poste em posto, de porta em porta dos comércios do bairro, colando o texto. Dali, saíram para a Avenida dos Holandeses como se fizessem o percurso rumo à escola.

Andar por ali naquele horário era ter a oportunidade de ver São Luís desnuda. Uma cidade só é cidade se tiver pessoas que lhe confiram esse título, gente que dê vida ao concreto, cor ao asfalto, diversidade por entre os arranha-céus. A Damariana estava perdendo seus elementos de sobrevivência, destituindo-se de suas células-alunos. O câncer fora extirpado, mas as consequências haviam ficado. O corpo-escola padecia.

Uma escola só é escola se tiver alunos para ensinar.

Pararam na esquina e olharam para o prédio apagado. Antes, mesmo se ficasse dias sem ninguém, como na época das férias, Isaú Fauller fazia questão de exibir a opulência da escola com luzes pelo gramado, nas árvores, na fachada. Era um Museu do Louvre da educação. Agora, após todo o escarcéu de denúncias, lá estava, tudo escuro, como se para não chamar ainda mais atenção das pessoas.

— Que tal se a gente fosse para a Litorânea ver o nascer do sol? — Domingas sugeriu.

— Mas eu tô com fome — Otávio já estava fora da bicicleta, sentado na sarjeta. — Prometeram bolos e só me deram exercícios.

Lucas se alongou.

— O nome disso é vida. Eu gosto da ideia. E tu, Evandro, bora?

O garoto assentiu, apenas. Estranheza no ar.

Decididos, tomaram o rumo da praia.

***

Sente os ventos da praia que indicam a palavra ''Fim'' no horizonte? Vamos em frente, rumo à definições necessárias.  

Lucas Verdelhos e a Revolução WattpadianaOnde histórias criam vida. Descubra agora