24 HORRORES DESENTERRADOS

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AS BATIDAS NA PORTA DO QUARTO CESSARAM QUANDO NÃO HOUVE RESPOSTA. E, a depender do garoto, não haveria tão cedo. Estava naquela penumbra há quatro dias. Penumbra externa, penumbra da mente, vontade de sumir. Ainda vestido com a mesma roupa de quando recebeu a notícia, só saía do quarto para ir ao banheiro, sempre quando Miridéia estava longe. A fome do menino só não era maior graças a água da torneira e aos pacotes de biscoito água e sal que restaram do passeio ao haras. Quanto aos pensamentos, estavam nutridos por uma pergunta que andava corroendo seus neurônios:

"Como eles descobriram tantos detalhes?"

Pensava e repensava possibilidades, suposições, teorias. Não era algo impossível de se encontrar. Mas, como a tia enfatizava, era muito improvável que soubessem o que procurar. Nesses dias, lembrou-se bastante da conversa que escutara entre Cléver, Túlio e Francis. O quanto daquilo era só bravata de Cléver? O quanto ele de fato teria descoberto algo?

Novas batidas. Agora, com vozes conhecidas além da voz da tia.

— Lu, abre a porta pra gente.

— Vai lá, Lucão! Não é possível que você já não esteja fedendo enfurnado nesse quarto!

— Otávio!

— Ué, é a verdade. Três dias sem tomar banho, filha! Não tem bumbum que fique cheiroso — Otávio gemeu de dor. — Isso é censura à comédia!

— Lu, abre a porta, vai, por favor. Tu fica aí trancado e só alimenta mais falatório. Cada dia aí dentro é mais um dia que aumentam o que dizem sobre ti.

Mas Lucas não abriu, nem falou com ninguém. E mais um dia se passou. Miridéia tornou a insistir, duas vezes por dia, e nada. Jorim chegou de São Paulo e passou o restante daquela noite na porta do quarto, tentando convencer o primo. No dia seguinte, assim que o sol brotou, fez nova tentativa. Porém, com uma novidade que fez Lucas responder.

— Lucas, a situação de Isaú é tão complicada que a tua história de vida passou despercebida. Ele foi preso agora de manhã. Escutou? Isaú Fauller já era; a pessoa certa está presa. Sai desse quarto, bora conversar. Cuida.

— Não é tão simples — a voz saiu rouca após tanto tempo sem uso.

— Eu sei que não é, cara. Mas o modo como a gente age diante dos problemas pode tornar tudo pior. Tu pelo menos leu o que escreveram sobre ti?

— Não... Pra que eu ia fazer isso?

— Pra poder se defender, droga! Pra saber se o que disseram é certo ou não!

Lucas se sentou próximo à porta, abraçou os joelhos.

— Quem se importa? Sempre inventaram coisas sobre mim...

Eu me importo, mamãe se importa, teus amigos se importam. E várias pessoas que não estão nem aí pro teu passado, pessoas que olham para além das tuas cicatrizes, elas se importam. Tu pode me fazer um favor?

— Qual?

— Eu e mamãe não vamos mais insistir para que tu abra essa porta, tá legal? A decisão é tua. Tu não é mais criança e a gente sabe que não fará nenhuma besteira (como não fez até aqui). Nós vamos ficar te esperando de braços abertos para conversar. Tá certo? Mas antes eu quero que tu me prometa que vai ler o que escreveram. Fechado?

Lucas disse "tá" mais para si do que para o primo. Jorim deu duas batidinhas na porta e o silêncio aumentou. Tinham um acordo.

O menino pegou o celular e olhou para a tela desligada. Imaginar que tudo estaria ali, após tanto esforço para esconder, o afligia. Certa vez, na escola, fizeram uma roda de debates sobre o excesso de exposição na internet e o modo como as pessoas têm passado dos limites na relação com os seu ídolos. O fato de um alguém se dar ao direito de expor as cicatrizes de outra pessoa, de se apossar de uma intimidade e publicar para conseguir curtidas, dizia muito sobre o nível de desempatia ao qual chegara a sociedade.

Lucas Verdelhos e a Revolução WattpadianaOnde histórias criam vida. Descubra agora