CALUM
Assim que sinto o ar gelado de Londres, repenso se deveria sair cavalgando. A última coisa que preciso neste momento é pegar um resfriado e, por mais que eu adorasse satisfazer meus desejos carnais, talvez o risco benefício não fosse tão bom.
O cocheiro trouxe o cavalo selado assim que me viu irromper pela porta e vem a passos lentos do estábulo com Apolo, meu corcel branco que meu pai me deu quando eu era adolescente e com ele me ensinou a montar.
Afago o cavalo assim que Henry, o cocheiro, chega até mim.
— Obrigada Henry, devo voltar em breve, vou visitar o Visconde Clifford — anuncio e ele, sem nada dizer, retribui com um aceno de cabeça.
Monto Apolo e calculo mentalmente em quanto tempo a chuva vai começar a cair e, se eu tiver sorte, dá pra ir e voltar da casa de Michael antes disso acontecer.
Os campos que me pertencem são extensos e cheio de plantações. Não somos exatamente fazendeiros, mas nosso pai nos deixou diversos imóveis e terras com diversos tipos de fins, desde flores a grãos, que sempre abasteceram a nossa família e também boa parte da cidade onde moramos.
Temos posses significativas, isso é verdade, e é principalmente por esse motivo que, mesmo demonstrando franco desinteresse em me casar, sempre recebo convites para bailes da alta sociedade.
É como eu disse, o casamento por amor, se algum dia existiu, foi há muito tempo atrás e não estou afim de desvendar qual deles é o amor eterno em meio a mais convites para dançar do que sequer consigo suportar.
Avisto a propriedade dos Clifford e, para minha própria surpresa, não terminei em um bordel com essa desculpa. Uma parte de mim, confesso, não queria dar o gosto a Heather de ter flagrado minha mentira assim que ela saiu da minha boca.
Quando passei pelos portões, Michael já tinha me visto por uma das janelas, o cocheiro e o mordomo já me esperavam nas escadas que levavam a sala principal do casarão do meu velho amigo.
— Arquiduque Hood — o mordomo me cumprimenta —, bem vindo, sua graça.
— Como vai, Cristopher? Sabe que não precisa dessas formalidades — digo assim que entrego a guia do cavalo ao cocheiro junto com uma moeda de prata, pela gentileza dos seus serviços. — Onde está o M...
— Achava que você não ia aparecer mais! — Michael aparece do nada e me amassa em um abraço amigável ao mesmo tempo que me arrasta pra dentro, deixando Christopher rir baixinho de nós dois.
Michael e eu estudamos juntos em um internato em Londres desde que éramos crianças. Nossos pais sempre foram amigos e aliados nos negócios, então nossa união não só estava premeditada quanto favorecia a nós dois. Tenho sorte de Michael ser um cavalheiro agradável e, principalmente, confiável.
— Você precisa parar de mentir para Mali que vem aqui — ele chama minha atenção assim que a porta da sala de estar se fecha e ficamos sozinhos. — Por que aí eu preciso mentir pra ela também e sabe lá Deus embaixo de que saias você está quando diz que vem me visitar!
Ele parece aborrecido quando começa seu sermão, mas logo sua expressão se suaviza de novo. Michael sempre foi mais responsável que eu nesse sentido, a maior aventura que ele deve ter tido com uma mulher foi a que o seu próprio pai o forçou na adolescência e que claramente não se concretizou.
Ele sempre respeitou bem as regras e me deixava receoso saber que ele poderia se casar com uma mulher que não gostasse ou não respeitasse ele da mesma maneira.
— Mali não precisa saber sob quais saias me escondo, Mike, que bom que concordamos sobre isso — resmungo.
Vejo ele vir na minha direção com uma caixinha de metal onde sei que guarda cigarros e charutos que ele raramente fuma mas os mantém para oferecer às visitas. Escolho um cigarro artesanal de tabaco ao invés do charuto.
— Você também devia parar de fumar, deixa um cheiro horrível nas roupas.
— Não se preocupe, a garota com quem me deito gosta quando eu fumo ao mesmo tempo que...
— Pelo amor de Deus — ele começa a rir —, pare de me provocar. Sei o que você acha do meu celibato, não preciso que toda vez você me lembre do que não tenho e tente me persuadir a seguir o seu caminho de pecados.
Agora é minha vez de rir também. Por isso que Michael é meu melhor amigo, ele tem senso de humor. Mudamos de assunto e começamos a conversar sobre trivialidades. A lareira da grande sala de estar de Michael crepita vigorosamente e eu aproveito pra esticar meus pés e apoiar na mesa de centro.
Percebo que Michael parece inquieto e isso começa a me deixar curioso. Será que ele está irritado por que estou com os pés na mesa?
— Está tudo bem? — questiono, interrompendo o assunto anterior. — Você parece meio esquisito.
Ele passa a mão no cabelo loiro escuro despenteado e desvia o olhar para um quadro na parede oposta. É com isso que sei, agora com certeza, que ele tem algo pra falar e que provavelmente vai me desagradar.
— Há coisas, sim... — ele molha os lábios com o vinho português que o mordomo trouxe no meio da nossa conversa. — Alguns dos campos de grãos precisam de vigias noturnos, estamos tendo problemas com saques no meio da noite.
Sim. Eu já sabia disso e já tinha providenciado reforços.
— São os campos de Cambridge e o de Doncaster? Tem mais algum outro? — bebo mais um gole do vinho e sinto a língua formigar um pouco.
Michael concorda com a cabeça, mas seu corpo permanece tenso sentado no bonito sofá vermelho que parece ter pertencido à alguma Rainha Vitória do século passado. De repente, ele simplesmente me encara e fala de uma vez, com a intensidade de uma arma de pólvora carregada.
— Preciso que você vá ao Baile de Primavera comigo.
As palavras saem tão rápido da boca dele e me atingem como um tiro. Michael parece mais aliviado ao por pra fora e eu devo estar fazendo alguma cara indignada por que ele sente a necessidade de explicar essa exigência peculiar que está fazendo.
— Sei que você odeia os bailes mas, por favor, Calum — ele implora, mesmo sem ter mudado o tom de voz. — Eu conheci uma garota de Wembley que está aqui para a temporada na casa dos tios e, sei lá, eu tô... não sei... mas...
— Não me diga que está apaixonado por uma garota que você conheceu no mercado Michael — se sou duro nas palavras, ele não transparece.
— Foi no parque, semana passada. Ela me disse que queria me encontrar no baile no fim do mês, vai debutar com a prima dela, Lady Sconce. Aí eu — ele pausa e engole seco —, bom, eu disse pra ela que tenho um grande amigo que está solteiro e que com certeza ia me acompanhar e talvez fosse um bom partido para a sua prima. Mas claro que isso não é uma sentença de que você tem que casar é só... dançar com ela pelo menos uma vez e qualquer coisa dizer que está interessado em outra.
Estico a mão e levo a taça de vinho a boca, bebendo todo o resto do líquido púrpura de uma vez.
— Eu vou matar você — anuncio e Michael me dá um sorriso, sabendo exatamente o que isso significa. — Não acredito que vou me enfiar em um salão com duzentas donzelas querendo um marido pra poder ajudar meu melhor amigo a se casar...
— Não está fazendo isso por mim — ele ri, fazendo piada. — Está fazendo isso por você, pra que Mali não saiba que você gosta de rabo de saia.
Reservo meu olhar mais mortal para esse momento, mas ele acaba se perdendo quando percebo que Michael está tão apaixonado que seria impossível dizer não pra ele.
Talvez o amor exista afinal, pelo menos pra ele existe sim.
Cristopher traz um desjejum da tarde para nós e eu olho para a janela, verificando se há tempo de me servir antes que a chuva venha. Agora, ainda mais, não posso ficar doente, já que tenho um grande baile pra ir daqui algumas semanas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
baile de primavera | cth
FanfictionHeather Campbell é uma jovem de personalidade forte que não faz questão nenhuma de preencher as lacunas que a sociedade impõe à ela. Calum Hood é um libertino do pior tipo, aquele que se orgulha da sua solteirice mas por trás de todo o discurso anti...