vinte e um

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HEATHER

Depois da proposta que Calum me fez naquele jantar na mansão dos Hood, não parei mais de pensar em como me aproximar da Senhorita Mary. Mali também estava tentando com todas as forças, mas até agora não conseguimos descobrir o que ela mais gostaria de ganhar no mundo.

Hoje a tarde o encontro era na casa da Madame Irwin e o tema da vez eram as flores e o local onde a Senhorita Mary gostaria de se casar. O Visconde Clifford, como bom homem apaixonado, fez questão de deixar claro que ela tinha carta branca para escolher o que quisesse, o que lhe apetecesse mais.

E era exatamente o que Mary estava fazendo.

Estou jogada em uma das poltronas, encarando a grande estante de livros, ouvindo vagamente a discussão das senhoras e senhoritas. Sei que elas pensam que eu sou um péssimo exemplo e que, na maior parte do tempo, estou entediada demais para opinar em qualquer coisa e no resto de tempo que me sobra, simplesmente, não estou prestando atenção.

— Mary mas me conte mais, o que está planejando ganhar de casamento? — Mali reiniciou mais uma vez um assunto sobre presentes, o qual a Senhorita Mary deu uma resposta ensaiada que me deixou ainda mais entediada.

— Ainda estou pensando, Madame Knight, mas queria um bom enxoval e um bonito jogo de jantar...

...com flores nos pratos e um jogo de chá em um azul claro para me lembrar o céu.

Recitei na minha cabeça antes dela terminar a frase.

Três. Dois. Um. Faço uma contagem regressiva.

— Gostaria muito que tivesse flores nos pratos e um jogo de chá em um azul claro para me lembrar o céu — Mary soltou em um tom polido e eu não contive uma risada.

— Algum problema, Heather? — Madame Irwin me nota, droga. — Quer compartilhar conosco o que é tão engraçado?

Sinto as bochechas corarem.

A Senhorita Bridget Sconse, a ruiva com sardas que no último baile queria dançar com Calum, me dá um sorriso que beira o maldoso.

— Sei que você despreza o matrimônio, Senhorita Campbell, mas é indelicado da sua parte fazer objeção a absolutamente tudo — ela diz no tom mais petulante possível e pelo canto de olho percebo que Mary mucha um pouco.

Dou um sorriso. Não posso arruinar tudo agora.

—  Perdão, Senhorita Mary, jamais queria lhe faltar com o respeito com minha risada — penso rapidamente em uma alternativa para contornar a situação e, ao mesmo tempo, chegar onde eu gostaria. — Eu só imaginei que você ia dar uma resposta diferente, algum presente impossível que faria o Visconde Clifford suar pra conseguir. Imagino a senhorita com ambições maiores do que enxováis de algodão egípcio e aparelhos de jantar ingleses pintados à mão, itens que também não lhe são demérito, é claro.

Agora é Bridget que parou de sorrir. Mali me olha preocupada por que ela sabe exatamente que ou esse será o meu discurso do século ou eu vou meter os pés pelas mãos e estragar tudo.

Torcemos pra que seja a primeira opção.

— Apesar de eu não ser a maior entusiasta do matrimônio do mundo, isso não quer dizer que eu não acredito no amor verdadeiro que une duas pessoas como a Senhorita e o Visconde Clifford — continuo. — Ele seria capaz de lhe conseguir um original de Claude Monet se lhe apetecesse, sei que sabe disso. Todas sabemos. Seja ousada em algo, peça algo a ele que faça ele provar até onde iria por você, milady.

Todas as presentes me encaram, umas com uma cara fechada e, felizmente, outras sorridentes como se eu estivesse lhes contando a cura de alguma doença contagiosa.

Ergo uma sobrancelha para a Senhorita Mary.

— Se pudesse pedir qualquer coisa a ele, o que pediria?

Os olhos amendoados de Mali brilham de expectativa e, por um momento, comemoro internamente que eu consegui chegar onde eu queria sem transformar esse encontro de senhoritas num velório.

Era possível ver a fumaça saindo pela cabeça da Senhorita Mary, enquanto ela pensava na pergunta que lhe fiz.

— Mas que baboseira fazer um homem provar o seu amor — Bridget Sconce ataca novamente. — Não é de se admirar que esteja encostada, milady.

— Ela não precisa pedir diretamente a ele e eu, muito menos, vejo problema nele demonstrar o seu amor dessa forma. A Senhorita Mary merece tudo o que quiser e, acima disso, um cavalheiro que se esforce para dar a ela tudo o que deseja.

— Nisso Heather não está errada — a Madame Irwin me defende. — Ele precisa tratá-la como se você fosse uma princesa.

O ambiente novamente cai no silêncio. Bridget parece ter desistido da discussão.

— Acho que eu sei o que pediria... — ela diz e começo a criar expectativas. — Uma edição antiga de Romeu e Julieta que está na biblioteca nacional. Sempre que vou até lá, folheio o livro, mas nunca posso trazê-lo pra casa e isso é tão triste.

Um livro.

Um livro que está na biblioteca nacional que fica à duas quadras de casa.

Isso parece bom demais pra ser verdade.

— É óbvio que ele não vai roubar um livro — a Senhorita Sconse esbraveja em uma risada. — Mas valeu a tentativa.

— É claro, não queremos que o Visconde seja preso antes mesmo de se casar, não é? — emendo, entrando no clima e deixando elas pensarem que foi apenas uma nuvem de ideias passando por nós.

Mali continua me encarando com uma expressão preocupada, por que ela sabe exatamente o que estou pensando e, por um momento, me pergunto se seria certo roubar um livro que é patrimônio nacional.

Qual será a pena que se recebe por roubar um livro?

As senhoras retomam a conversa sobre aparelhos de jantar e lençóis egípcios mas tudo que consigo pensar é em voltar para a mansão dos Hood para contar ao Calum o que descobri.

baile de primavera | cthOnde histórias criam vida. Descubra agora