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CALUM

— Você uma hora vai precisar amarrar o seu burro, Calum — ouvi a voz de Mali ecoar pelo corredor extenso. — Não dá pra ser um libertino pra sempre...

— Quem disse? — retruco enquanto, sentado na poltrona, calço as botas de couro. — Não estou disposto a negociar a minha paz, Mali, você mais do que ninguém sabe disso.

Risadas preenchem o ambiente e, apesar de saber que Mali está com Heather na sala de chá, não duvido nada de que as risadas que ouvi sejam dos criados. Todos nesta casa sabem o quanto sou contra o matrimônio de uma forma geral. É um papel, afinal, algo para mostrar para a sociedade.

Essa coisa de casar por amor é tão século passado quanto sapatos e fivelas. Todos sabemos que o que vem em primeiro lugar é o dinheiro. Sempre a porra do dinheiro e nada mais.

— Há uma beleza em ser um eterno libertino, devo dizer — Heather dirige a palavra a mim e vejo seus sapatos de camurça ao lado do batente da porta antes mesmo de terminar de calçar as botas. — Se eu fosse um homem, provavelmente, seria um libertino também. Pra que se prender a uma só quando posso me deitar com várias, não é, Calum?

Ela estava debochando da minha cara. É óbvio que estava. Heather Campbell só sabe fazer isso, desde que beijei sua mão pela primeira vez no baile de primavera em que Mali noivou a cinco anos atrás. Ela e Mali são melhores amigas desde o baile da alta sociedade em que as duas debutaram pela primeira vez.

Foi como uma conexão à primeira vista, Heather complementa Mali com sua personalidade forte e ousadia. Minha irmã seria incapaz de contrariar seu atual marido sem a influência clara de Heather, o que aos olhos da sociedade em que vivemos não necessariamente é uma característica boa em uma amizade. Algo me diz que é exatamente por esta razão que ela se mantém solteira até hoje, mas não sou eu quem vai lhe contar esse terrível destino.

— Curiosa observação, Senhorita Campbell — me levanto e caminho na sua direção, ficando mais perto dela do que de fato deveria. — Não se esqueça de enviar sua solicitação aos céus na próxima encarnação. Nesta será impossível realizar estes seus desejos sem ir direto para a lista sombria por perturbar a sua castidade.

Tento intimidá-la mas tudo que ela faz é rir com petulância, e me dar as costas, enquanto caminha de volta até a sala de chás.

— Quando o senhor se casar, enviarei minhas solicitações aos céus — ela complementa. — Já que ambas as coisas parecem impossíveis, não é mesmo, sua graça?

Sinto o sangue ferver quando ela usa meu título de forma debochada, não gosto de ser desafiado assim por ninguém, muito menos pela melhor amiga solteirona da minha irmã.

Me coloco em movimento e quando chego à sala de chás, antes mesmo de entrar, escuto minha irmã rir.

— Qualquer dia ele vai proibir sua visita à esta casa de tanto que você o perturba, Heather — a voz doce de Mali parece cantada, já que ela fala no meio de uma risada.

— Calum não seria nem louco de proibir a minha presença, ele sabe que onde você está, eu também estou — Heather parece encher a boca pra falar, mas há um toque de incerteza em sua voz. — Ou talvez ele me proíba mesmo, aí terei que pular a janela escondida.

As duas explodem em risadas e quando menos imagino, estou rindo também. Ela faz minha irmã rir e, apesar de ser desagradável comigo na maior parte do tempo, eu não poderia fechar as portas desta casa para ela. Ainda mais quando meu cunhado está há dois meses na guerra e eu sou o responsável pela minha irmã.

Sei que quando não estou cuidando dela, Heather está e é isso que importa. Os deboches não vão cessar. Eu não vou deixar de ser um libertino. Ela também não vai se casar.

Não há nada que eu possa fazer.

Enfio a cabeça pelo vão da porta e observo as duas por alguns segundos. Olham um álbum de fotos antigas.

— Vou tratar de uns negócios com o Visconde Clifford — anuncio. — Devo voltar para o jantar.

Mali concorda com um aceno de cabeça e volta seu olhar para o álbum de fotos. Heather fixa os olhos em mim e sorri como se soubesse que estou mentindo.

Antes de fazer algo que possa me entregar, dou meia volta e ando rápido em direção à porta de entrada.

baile de primavera | cthOnde histórias criam vida. Descubra agora