A Lucrézia de oito anos nunca imaginou que acordar se tornaria um verdadeiro calvário, mas a Lucrézia de hoje descobriu ser uma realidade e não só um mau presságio.
Minha cabeça continuava doendo, alias, tudo em mim doía. Movimentar qualquer parte que fosse era uma tormenta, até os olhos. Em contrapartida, o breu mediano instaurado no cômodo com uma cama, que supôs ser meu quarto, me concedeu movimentos oculares menos desconfortáveis.
No canto, ele aparentava estar tenso sobre a poltrona, a pele alva de Piero, agora assustadoramente mais pálida, era iluminada pelo abajur torto. Com maior esforço, dava para ver os seus punhos enfaixados e as mangas cobertas de sangue.
— Você precisa de algo? — tremeu ao perguntar. — Você… vo…você está bem?
— Quanto tempo fiquei apagada?
— Algumas horas. — Sua boca disse, mas seus olhos diziam “não o tempo suficiente”. — Isso não importa agora, va bene?
— O que aconteceu com ele?
— Amore mio, descanse! Falaremos disso depois. — Disse e se direcionou a saída.
— Perguntei o que aconteceu com ele. — Minha fala saiu mais como um rugido, feroz e irremediável, do que como um pedido pacifico. E Piero retornou na minha direção.
— Saveiro ainda vive. — Sentou-se na beirada da cama. — Mas, no que depender de mim, não por muito tempo.
— Não o mate.
— Como? — A indignação tomou suas feições. — Não pode estar falando sério depois do que ele fez hoje. Eu sei que é seu pai, esse talvez seja o único motivo pelo qual não o matei. Ainda não o matei. — Enfatizou a última frase.
— Não o mate. — Repeti, dessa vez mais nítida. — Desconte toda sua raiva nele, não me importo. Mas serei eu que vou matá-lo.
Não pode tirar isso de mim, falei mentalente.
Piero se aproximou mais, conforme sua mão vinha até mim, me encolhia de baixo das cobertas, relutante, envergonhada e destroçada. Então, ele parou. Me encarou com o olhar mais doce que já havia visto na vida, deu um sorriso fraco e terno, e levantou-se para ir embora.
O pranto entalhado na minha garganta ardia igual brasa quente, amassei os lençóis de linho com as mãos machucadas. Queria resistir, mas…
— Não me deixe sozinha, por favor! — Implorei baixinho e dei as costas para ele, torcendo para que não tivesse escutado.
De soslaio, vi Piero tirar os sapatos e estender as mangas. Não demorou muito e ele se juntou a mim na cama. Colou nossos corpos e segurou minha cintura, arrancando uma arfada dolorosa quando despejou o braço sobre os hematomas, e se retraiu. Sua respiração se igualou a minha, a brisa quente na minha nuca, o compasso do seu coração e a sensação de pertencimento, provocaram ao menos um instante de paz.
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Vendetta di Lucrézia (Vingança de Lucrézia) - 01 [Danatto Sangue]
Romance"Na vingança e no amor a mulher é mais bárbara do que o homem." - Nietzsche. Lucrézia Caccini é uma jovem geniosa e cheia de opiniões, de vinte anos, que já sofreu muito na vida. Nem sempre ela foi distante e arredia, mas os assassinatos, sequestros...