34- MEMORIAS (Recordações)

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Lucrézia Caccini

- O que vai fazer mais tarde? - Perguntei para Matteo.

- Vou checar uns fornecedores com Piero.

- E depois?

- Sou todo seu. - Abriu um sorriso e eu retribui.

- Blusa bonita, Lucrézia.

Guero entrou na conversa, assim que viu Piero descer as escadas. O elogio dele tinha a intenção de provocar o primo, referente ao ocorrido de ontem. A roupa de gola alta e mangas longas cobria as marcas deixadas pela noite anterior e o Fontana provavelmente concluiu isso, daí a indireta para Piero, o que causou um notável desconforto no ragazzo.

- Andou brigando por aí de novo, Piero? - Matteo o indagou, apontando para o ferimento superficial em seu rosto.

- Me cortei enquanto treinava com as facas. - Mentiu e a tensão na sala aumentou.

- Estranho. Você sempre foi muito bom com lâminas afiadas? - Meu primo questionou, desconfiado.

- Acontece. - Tentou disfarçar.

- Parem com essa palhaçada! O que houve aqui? - Matteo encarou nós três, procurando respostas.

- Nada. - Respondemos em um uníssono.

- Giusto! Não querem contar, mas saibam vocês não me enganam com essas caras lavadas. - Respondeu mantendo a calma costumeira.

Após um breve silêncio. A apreensão estava estampada no semblante de todos, os olhares eram difusos e inquietantes, Piero evitava a todo custo o contato visual comigo.

- Andiamo Matteo! Tenho que rever o "agrado" do Della Rovere antes de falar com os fornecedores.

- O juiz?

- O próprio.

Piero respondeu seco e saiu sem nem olhar direito na minha cara. Matteo se despediu e deixou o local em seguida. Os rapazes saíram, porém o clima permaneceu pesado.

- Você está bem? - Guero perguntou, meio desajeitado.

- Por que não estaria, Fontana?

- O jantar do Conselho não terminou da melhor forma.

- Nem percebi. - Dei um sorriso de canto.

- Lucrézia...

- Conte algo do que aconteceu para Matteo e eu corto a sua língua fora. Capisce?

- Capisce. - Disse a contragosto.

Deixei o cômodo. Fui tomar um banho e me arrumar para a universidade. Depois de uma noite mal dormida, a última coisa que quero é falar a respeito do que ocorreu. Sendo sincera, nem eu sei o que foi aquilo.

Costumam dizer que os opostos se atraem. Será que o mesmo vale para os inimigos? A atração que existe entre nós é indiscutível. O fato é que fiquei com tanta raiva daquele maledetto de olhos azuis que nem conseguia raciocinar direito. Só que quanto mais eu tentava me afastar mais presa ficava, nas garras dele. Quando estamos juntos, parece que nossos corpos liberam faíscas, que eles ignoram totalmente os comandos e o discernimento.

Me pergunto em que momento deixei de pensar com clareza. No espelho do closet, tento ver o real estrago de ontem. A maior parte dos fortes chupões que Piero deu, ficaram roxos. O pescoço incomoda um pouco, mas não vai formar hematomas. Não acho que ele tinha a intenção de me ferir. Afinal, reconheço um sádico quando vejo um. Tantos anos com Saveiro serviram para alguma coisa, e Piero me enxergava de modo diferente. Nem mesmo a fúria o fez perder o brilho nos olhos, ao me olhar. E para falar a verdade, a pegada violenta de Piero foi o de menos. Insinuar que eu sou uma puta, machucou muito mais.

Vendetta di Lucrézia (Vingança de Lucrézia) - 01 [Danatto Sangue]Onde histórias criam vida. Descubra agora