Fragmentos e Sonhos

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Uma mulher que caminhava, por um caminho árido carregando duas crianças pequenas. Ela usava um capuz sobre o rosto e ele não conseguia identificá-la, os filhos pareciam famintos, mas não levantavam a cabeça para a mãe que seguia seu caminho em direção a um enorme penhasco. 

Aquela cena o angustiou e ele tentou mover-se, mas algo prendia os seus pés ao chão. Satoru tentou olhar para o chão, e mãos quentes tomaram o seu rosto e sussurraram.

-Não olhe. - Ele esperou ver o seu avô, mas não tinha ideia de quem era aquela pessoa. 

Novamente ele procurou pela mulher, que já estava a beira do penhasco.

-Mamãe, por favor, eu não quero ir.  - O garoto menor pediu, mas ela parecia em transe.

Então uma depois da outra, as crianças foram atiradas no abismo.

Um choro estridente, ressoou em seus ouvidos e ele acordou assustado.

Suguru dormia silencioso, o peito subia e descia. Como ele desejou poder abraça-lo, sua mão estendeu-se incoscientemente e quase alcançou aquela face perfeita, no momento em que o outro abriu os olhos e o fitou preocupado.

-Você está bem? - Ele perguntou tomando a mão de Satoru e repousando-a no próprio peito.

-Eu não quis acorda-lo... - Respondeu, ainda sentido o corpo estremecer por causa do sonho.

-Algo aconteceu... Às vezes os pesadelos podem nos atingir neste lugar, por que a Magia dos sonhos aqui é mais profunda. Pode ser assustador, mas também pode nos trazer algum tipo de revelação. -Ele puxou-o para perto de si. -Há muito tempo minha magia não é estável, mas posso afastar os sonhos ruins, desde que você fique perto de mim... muito perto, quero dizer. - Disse sugestivamente.

Satoru repousou a cabeça nos ombros do outro e adormeceu rapidamente. Suguru sorriu incoscientemente e de novo aquela sensação de temor brotava de dentro dele. Açoitando-o como nos dias em que recebera sua punição.

-Se eu tiver de morrer... - Ele sussurrou. - Espero que seja você a puxar a lâmina.  - Ele beijou-o suavemente na testa e também adormeceu.

A manhã veio tão fria e escura como à noite. E como os ventos violentos que açoitavam as paredes do castelo e a semana passou rapidamente, eles não tinham notícias significativas do mundo exterior, ainda que Lumine sempre saísse acompanhada geralmente por Nya, e algumas vezes por Xavier.

-Salazar está muito quieto e isso me preocupa. - Suguru disse, enquanto folheava um livro antigo.

-Acha que ele está por trás de tudo o que aconteceu com você? - Gojo perguntou encarando-o.

-Ah não, definitivamemente não. Ele não é tão inteligente e não é muito bom em manipular os fatos. - O outro respondeu prontamente.

-Então há mais alguém...

-Claro que há. Eu poderia desconfiar de várias pessoas, todos tem muitos motivos para me odiar.

-Eu não consigo ver por que.

-Por que você é gentil e insiste em ver o que é bom nas pessoas, mas não todos são assim, geralmente só veem o que querem, e quando não gostam de alguém já partem do pressuposto de que essa pessoa, é a ruim, a louca, a vilã...

-Eu entendo. Mas vou ficar ao seu lado não importa o que digam. - Suguru sentiu novamente aquela agitação dentro dele. -Ah propósito, você sabe algo a respeito de minha alma ser destruída, por causa de alguma promessa que meu avô fez com o príncipe?

-Seu avô nunca encontrou Salazar diretamente... E além do mais destruir a alma de alguém, não seria tão simples. Seria apenas uma promessa quebrada, tantas pessoas prometem coisas que não cumprem. Isso não existe...

-Ah, menos mal... - Gojo suspirou aliviado.

-Mestre. - A voz de Lumine soou estridente. - Temos má notícias.

-É mesmo?Qual o meu crime, desta vez? - Perguntou com a face ilegível.

-O senhor foi acusado de manipular, sequestrar e torturar o executor dos reinos.

-Quem é esse?! - Satoru perguntou.

-Esse é você... - Suguru sorriu, mas foi um sorriso que não chegou aos olhos.

-Ah. - Ele sentiu-se embaraçado, mas não sabia o que dizer.

-Tudo bem, é melhor que eles pensem assim. Enquanto você permanecer como vítima, o povo vai te amar e defender a sua causa, e você estará mais forte. Quanto tempo falta para as ilhas se encontraram?

-Temos 25 dias... - Lumine respondeu.

-Nya, você ficará encarregada de treiná-lo, deixe-o bem afiado. - Suguru orientou.

A mulher assentiu.

-E você? - Satoru perguntou.

-Eu vou meditar. Se for forçado a entrar em uma luta, tenho medo que isso possa causar estragos desnecessários e machucar pessoas inocentes. - Com essas palavras, ele se afastou.

Os outros não perceberam, mas Satoru notou, uma sombra muito sutil, que se espalhava pela face de Suguru.

***

Dia após dia, ele praticava. E conforme treinava, ele percebeu que era forte. Muito forte. Ele quase acreditava que poderia salvar Suguru, seria tão mais simples se todas as pessoas pudessem enxergá-lo com seus olhos.  Perceberiam o quanto ele era gentil e forte e belo e provavelmente seriam todos apaixonados por ele.

Satoru meneou a cabeça afastando aqueles pensamentos.

Depois de um jantar silencioso entre ele, Suguru e Nya que não era muito de falar. Ele encaminhou-se para a biblioteca e pegou um livro aleatóriamente. Haviam muitos. A maioria ele desconhecia e outros estavam com os títulos desgastados pelo tempo.

Mas havia um, que ele conhecia muito bem.

O Médico e o monstro. Ele puxou a edição e sorriu ao perceber como parecia com a de seu avô.

Mas seu sorriso foi diminuindo ao notar a familiaridade daquele exemplar, inclusive a assinatura.

Gojo. 1967.03

Ele folheou o livro velho e reconheceu cada uma das marcas, seu avô lera aquele livro tantas vezes para ele que Satoru perdera a conta. Por isso não fora capaz de encontrá-lo nas coisas do velho.

Então, de dentro do exemplar um envelope grosso e pesado caiu.

Atrás havia apenas o nome. Para G.

Ele suspirou sentindo-se impaciente e irritado. Seu avô deveria parar de ser tão enigmático, ele girou o envelope entre as mãos e abriu-o ansiosamente.

A Estrela Perdida da CoroaOnde histórias criam vida. Descubra agora