Dor e Verdade

539 82 8
                                    


Depois de se despedir brevemente, eles partiram. As correntes pendiam em seus braços e faziam um som estridente ao se aproximarem do palácio. A trombeta tocou quatro vezes anunciando o criminoso e o povo se uniu para julgá-lo, alguns arremessavam frutas e vegetais podres, outros o amaldiçoavam, e o restante agradecia aos céus por sua condenação.

***

Ele conseguia curar os pés machucados, mas não a saudade que sentia dos outros. Ele podia facilmente se libertar e partir, mas queria manter sua família segura até que eles encontrassem um novo lugar para viver. Então eles mandariam um sinal e ele se libertaria. Usando a furtilidade dos fantasmas.

A cela era pequena e cheirava a ferrugem, seria fácil para ele romper aquelas barras com as mãos nuas. Eles realmente não sabiam nada sobre ele, inclusive que fora ele quem matara a antiga duquesa Aurora. A mulher fora dada como desaparecida.

Ele recostou-se no pequeno colchonete de palha e fechou os olhos.

Por que sempre que parecia estar feliz algo ruim acontecia?

Tudo bem. Ele ficaria bem.

***

Os dias pareciam não ter fim. Suas refeições eram duas pequenas porções diárias, ele se sentia enfraquecer e isso não era bom. Se precisasse fugir, seria difícil.

Não pela primeira vez, Suguru se vira perguntando -se qual foi o erro que cometera.

Ele ouviu passos se aproximando e esperou ver o rosto de Salazar, vindo cuspir palavras de desprezo sobre ele. Parecia ser a terapia diária do garoto.

Mas diferente do que ele esperava ele viu um homem. Não muito jovem, ele sorriu e estendeu a chave.

A príncipio ele achou que era da cela. Mas ela possuía uma aura sobrenatural.

-Era do seu pai. Ele me incumbiu de entregá-la a você. - Suguru mirou-o confuso.

-Como chegou aqui? - perguntou.

-Ora, a Rainha. - O homem disse como se fosse o óbvio.

-Ah. Mas eu não sei se posso sair agora. - O homem permaneceu em silêncio por uns minutos, então falou.

-Apesar de todo esse poder, você ainda é humano. Bem como o seu pai, mas eu percebo em você uma linha tênue que os diferencia. Não sei dizer do que se trata. Mas vamos, vamos tirar você daí. - O outro o olhou desconfiado, às vezes o príncipe fazia esse tipo de brincadeira, colocava a liberdade bem diante dele, apenas para vê-lo cair no desespero novamente. Suguru nunca entendera a raiz do seu ódio.

-Isso não é mais um jogo de sua alteza, é? - perguntou sentindo-se muito cansado.

-Ele não sabe que estou aqui, por isso precisamos ser rápido.

-E para onde iremos? - perguntou.

O homem deu um sorriso enigmático. Mas não respondeu a pergunta.

-Eu não posso. Fiz uma promessa. Minha família precisa estar segura. - O homem o fitou, a expressão inexcrutável.

-Apenas venha. É o melhor a ser feito agora.

Suguru o seguiu em silêncio.

Os ventos sopravam agitados e havia cheiro de fuligem no ar. O palácio estava vazio naquele momento entre o anoitecer e o amanhacer, mesmo os soldados tinham dificuldade para permanecer acordados. O homem o guiou por uma estradinha de terra, até uma árvore grande e frondosa, a madeira tinha uma cheiro peculiar e estava coberta pela relva. O frio açoitava suas costelas, ombros e braços. Estava cansado e fraco demais para se curar.

O homem retirou a relva e ali surgiu uma entrada, ele atravessou e o instigou a fazer o mesmo. Alí dentro havia uma pequena mesinha e dois banquinhos, uma cama bagunçada e uma chaleira fumegava. Ele sentiu a fome apertar e se encolheu um pouco. Como ele cresceu entre os híbridos a sua humanidade às vezes o envergonhava.

O homem sorriu e lhe entregou uma xícara, a borda estava rachada.

-Não é o ideal para um rei, mas vou me esforçar para recebê-lo melhor na próxima vez. - Suguru sorriu tristemente.

-Não sou rei de nada. E o senhor me salvou. Obrigada! - Ele tomou o chá, sentindo o líquido quente aquecer seu estômago.

O homem ainda lhe trouxe um prato com alguns pãezinhos.

Depois de comer ele começou.

-Você é um humano do mundo mortal...

-Sim, e eu conheci o seu pai. Nós éramos amigos, quando decidimos começar essa pesquisa. Não parecia inácreditável que pudesse haver outro mundo além do nosso,ainda mais em um universo tão vasto! Seria deprimente se não houvesse, não é mesmo?

O outro o mirou em silêncio, nunca nutrira grande curiosidade para com o mundo além deste, apenas pensava que o lugar de onde seu pai biológico viera, parecia fascinante.

Nós encontramos a sua mãe em uma excurssão da faculdade. Ela parecia um tanto perdida e ninguém além de nós parecia notá-la, claro que o seu pai não conseguiu tirar os olhos dela.
Depois de algumas horas nós podíamos jurar que ela era louquinha, mas havia uma honestidade na forma como ela se expressava, que nós começamos a nos questionar, se tudo aquilo não era de fato... real. Então ela nos propôs, mostrar a realidade de seu mundo.

O homem soltou uma risada.

-Parece loucura que tenhamos concordado com isso, mas foi o que fizemos. Todos nós nutríamos expectativas em relação a esse lugar. Mas confesso que é bem parecido com a nossa terra, com exceção, de uma ou outra coisinha.

Suguru sorriu, e alguma coisa naquele homem o deixava confortável.

-Você sabe que alguns humanos podem nascer com dons especiais. As vezes estes dons ficam para sempre adormecidos e outras vezes eles despertam. Seu pai possuía uma magia antiga e perigosa, nem ele mesmo entendia como funcionava. Ele nunca entrou em detalhes, mas ele deixou isso para você.

Era como uma pequena chave circular, parecia haver alguma espécie de mecanismo mágico.

-Ele deixou algum tipo de instrução? - O homem o mirou.

-Não exatamente, ele apenas disse que você só a use quando... sentir que não há mais esperança.

Ele sentiu seu coração se apertar.

-Certo. Mas preciso ir agora. - O homem o impediu.

-Suguru... Espere. Há algo que eu preciso lhe contar.

-Então, me diga. - Ele esperou impaciente.

-No dia em que você foi levado, Parte do reino de Épona foi atingida por um incêndio misterioso, A Senhora Ayame reuniu seus generais para aplacá-lo rapidamente, mas não foi suficientemente rápido. Um quinto da população do reino, foi dizimada. Os híbridos com quem você vivia...

-Está querendo dizer que eles estão todos mortos? Eu não acredito nisso. Se fosse assim, cada instante naquele maldito lugar teria sido em vão. - Sua voz era como um sussurro. Ele se afastou.

-Para onde você vai? - O outro perguntou.

-Procurá-los. Eles devem ter se escondido, conforme eu orientei.

-Eles o teriam feito, apenas se tivessem tido oportunidade. Eu encontrei uma jovem, ela trazia duas crianças, duas meninas. Ela me pediu para salvá-las e foi o que eu fiz. Mas não pude fazer nada pela outra, sou apenas um humano, não tenho nenhum poder especial. Me perdoe.

-Mas por quê? Que crime eles cometeram? - Seus lábios tremiam em uma fúria contida. Quando aquelas palavras ecoaram em sua mente.

A sua existência é uma mácula...

Porque ele fora colocado neste mundo? Perguntou -se.

A Estrela Perdida da CoroaOnde histórias criam vida. Descubra agora