Quando nasce o dia

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O sol brilhava alto e uma brisa fresca agitava as cortinas brancas, Suguru lembrou de achá-las parecidas com a neve que costumava cair no lugar onde ele crescera, fazia bonecos de neve e pendurava cachecóis puídos até que o calor do outono os desfizesse em uma poça. Aquilo o fazia chorar, mas seu pai dizia que nada morre realmente, apenas muda a sua matéria e se integra a natureza do universo em uma nova forma.

Às vezes aqueles ensinamentos o faziam refletir se ele ainda permanecia ali, de algum modo zelando por ele.

-já estava na hora... -Ele ouviu uma voz rouca cumprimentá- lo. A voz de quem passara muito tempo calado. Algo pouco típico daquela pessoa.

-Obrigada por me esperar, Satoru. - O outro lhe sorriu, tentando disfarçar quando os lábios tremeram levemente.

Ele ouviu passos apressados, e logo mais a figura de Salazar apareceu na porta, ele parecia de certo modo diferente. Era triste pensar que a relação deles tinha sido construída de uma forma tão torta e errada simplesmente por causa das ambições de outra pessoa. O príncipe abriu a boca e fechou novamente, ele sempre desprezara o irmão mas não conseguiu entender a razão daquele sentimento ter sido cultivado dentro dele e agora ele sentia que isso não parecia certo. Suguru sentou-se devagar e recostou as costas na cabeceira da cama, sentindo o seu corpo um pouco retesado.

Naquele último mês, que seu irmão passara adormecido, ele mergulhou em uma profunda melancolia e fez tudo o que lhe fora possível para curar os ferimentos externos, mas quanto as cicatrizes que ele carregava na alma, não havia tanto o que pudesse fazer. 

-Me perdoe... - Ele curvou um joelho após o outro. - Majestade.

Aquelas palavras lhe pareceram estranhas, nunca antes alguém havia pedido o seu perdão de forma tão sincera, mas não era isso que o incomodava, e sim a sombra da criança que se escondia no adulto carregado de medos, empurrando-os para o lugar mais profundo de sua mente e silenciando os gritos daquela alma atormentada e confusa, um tormento que nada tinha a ver com ele.

-Se há um rei aqui, esse rei deve ser você, irmão . Por favor, levante-se, não há o que perdoar.

Salazar levantou-se sentindo-se um pouco inseguro, e quando aproximou-se de Suguru envolveu- o em um abraço hesitante.

-Obrigado. Fico feliz que esteja bem. - Por um momento ele pensou em todas as coisas que poderia ter o ensinado e desejou que aquela infância que eles poderiam ter tido juntos, não tivesse sido roubada. - Vou avisar ao nosso irmão que está acordado, ele está ansioso para vê-lo. - Com essas palavras, o príncipe retirou-se apressadamente.

Gojo segurava sua mão firmemente, quando Raziel entrou. Ele abraçou o irmão e o atualizou rapidamente de tudo o que acontecera.

Eles realmente estavam decididos a colocá-lo no trono, uma vez que a parte da alma deles que foi devorada, sumiu junto com o devorador, sua magia andava estável, mas eles estavam receosos de que não permanecesse assim por muito tempo.

Luziel fora questionado sobre saber do ataque planejado por Aurora, mas esquivou-se facilmente de todas as perguntas e não havia realmente algo que o incriminasse.

Gojo permanecera ao seu lado durante todo o tempo em que estavam juntos, a população reunira-se ao redor do castelo para trazer flores e desejos de melhora ao futuro Rei. Inclusive as garotas que o chamavam de pai.

-Elas estão aqui? - Ele sobressaltou-se sentindo os músculos doerem.

-Sim, devo mandá-las entrar? - Suguru assentiu ansioso.

As meninas se aproximaram silenciosas, Mimiko mordeu os lábios levemente e Nanako começou a chorar.

-Me perdoem, acho que fiz essa espera ser dolorosa demais para vocês duas.

Raziel se afastou silencioso e se aproximou de Satoru que aguardava do lado de fora.

- O que pretende fazer agora? -Cruzou os braços em espera

-Se eu vou embora? - Gojo respondeu.

-Não foi isso que eu perguntei. - O outro disse impaciente.

-Como eu poderia deixá-lo? - Perguntou mais para si mesmo do que para qualquer outra pessoa.

Raziel lhe sorriu e assentiu satisfeito. Naquele noite o jantar foi servido na sacada do quarto de Suguru, o aposento era grande e espaçoso. Com exceção de Raziel que se retirara para encontrar a esposa, todos estavam lá, uma pequena reunião que Geto não imaginava ser possível.

Ele sentiu a brisa fresca do verão soprar seu rosto,  usava uma túnica vinho e os cabelos que as meninas fizeram questão de arrumar, presos no topo da cabeça, não havia nenhum ornamento, mas sua beleza era genuína e pura e não havia nenhuma joia que encantasse mais do que ela.

Gojo se aproximou, o pescoço levemente exposto e dois bricos de safira pendiam das orelhas, ele lhe ofereceu aquele sorriso enviesado que sempre o tirava dos eixos. Precisava dele. Não haviam tido um tempo sozinho desde que acordara, e tinha algumas coisas que ele precisava lhe falar. Bem como o recado que sua mãe deixara para Salazar e Raziel. Talvez ele escrevesse uma carta, sempre fora melhor com as palavras escritas do que faladas.

-Boa noite irmão, Sr. Gojo. Meninas. - Salazar sentou-se devagar. Algo nele parecia tão singelo, mas estava machucado. Um garoto de cabelos ruivos o mirava distante, até que Geto acenou para que ele se sentasse com eles.

-Eu não devo, Majestade.

-Eu não sou o rei, e é apenas um convite, o senhor tem todo o direito de recusar, se quiser.

O garoto se aproximou hesitante. E se apresentou.

-Eu me chamo Taryn, é uma honra. - Ele sentou-se ao lado de Salazar, como esperado.

- O nosso desejo é que você seja o próximo rei... - O príncipe começou. - Eu não gostaria de assumir tal cargo, não acredito que esteja qualificado, me falta perspicácia e um pouco de firmeza.

- Você seria o mais gentil dos Reis. - Suguru acrescentou. - Mas não é o que você quer, assim como eu. Todos nós seríamos capazes de liderar, mas conheço alguém que é mais qualificada para a tarefa. Se estiverem de acordo gostaria de apresentar minha sugestão em uma reunião na alta corte.

-Estou de acordo. Posso perguntar quem é a sua sugestão? - Suguru arqueou a sobrancelha e sorriu.

A Estrela Perdida da CoroaOnde histórias criam vida. Descubra agora