9 DIAS

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TERÇA-FEIRA

Terça foi um dia um tanto difícil para Amanda, naquele plantão ela acabou perdendo dois pacientes, um senhor de idade que estava internado há alguns meses e desceu para a UTI após desenvolver pneumonia e uma mulher de meia-idade que deixou dois filhos. 
Amanda odiava perder pacientes, sentia-se inútil, sentia-se incapaz. Dar a notícia era a pior parte, ela sentia a dor das famílias e sempre se emocionava. Muitos de seus colegas de profissão diziam que ela deveria ser mais fria nesses momentos, mas era impossível, ela nunca conseguiria separar suas emoções na hora dar uma notícia triste. 
Naquela noite, quando deixou o hospital, estava se sentindo estranha. Um pouco abalada pelas perdas e meio distraída, mas com uma sensação esquisita que queimava em seu peito. A médica sentia que estava sendo observada, principalmente no estacionamento, como se um par de olhos não a deixasse em paz, mas, ao mesmo tempo, ela sabia que não passava de um delírio bobo, provavelmente uma peça pregada por sua ansiedade que resolveu fazer uma visitinha. 
Ela deu graças a Deus quando o carro ligou normalmente, tinha acionado o seguro na segunda-feira e consertado o problema, mas ficou com medo que ele falhasse de novo após horas desligado. 
Quando chegou em casa, foi direto para o chuveiro e deixou que a água levasse todas as situações ruins de seu dia. Tudo que precisava era de uma cama quentinha para se aconchegar e esquecer do resto do mundo. 

QUARTA-FEIRA

O plantão daquela manhã foi diferente, assim que chegou ao hospital, descobriu que seu cronograma estava um tanto quanto desordenado. Levou algumas horas até que ela conseguisse se organizar e visitar todos os seus pacientes. Quando finalmente acabou e imaginou que teria sua merecida pausa para tomar um café, Vitória apareceu com mais um problema para ela resolver.

- Amanda, você tá livre?
- Estou, precisa de ajuda?
- Preciso. Tem um paciente na emergência dando trabalho. Acho que é aquele moço que você atendeu algumas vezes e até te mandou flores.
- O Felipe?
- Esse mesmo. Ele está na emergência, a mão sangrando, não deixa ninguém chegar perto. Só quer ser atendido por você, tá fazendo uma bagunça, sujando tudo. E parece ser um ferimento feio, ele não para de sangrar.
- Não acredito nisso... - Amanda suspirou.
- Você pode atender ele? Tentamos convencê-lo a passar com o plantonista da emergência, mas ele está irredutível, diz que só confia em você.
- Eu atendo, mas se prepara porque eu vou ser notificada pela administração por gritar com paciente. - Seu tom de voz denotava irritação.

Amanda seguiu para a emergência e entrou em um dos consultórios vagos, menos de três minutos depois, Felipe estava lá.

- Oi, doutora. - Ele disse com um sorriso largo, enquanto segurava um pano completamente ensanguentado por cima da mão esquerda.
- Senta na maca enquanto me preparo. - Ela disse ao reunir os materiais necessários. Seu tom ainda não havia melhorado.
- Está irritada? - Amanda não respondeu. - Eu fiz algo que não deveria? 
- Aqui, segure essas gazes com força sobre o local e deixe a mão para cima, precisamos diminuir o sangramento antes de esterilizar. - Disse ela, ao entregar um conjunto que gazes limpas para ele.

Alguns minutos se passaram enquanto a médica reunia todas as ferramentas que precisaria para cuidar da situação. Observou que o volume do sangramento diminuiu ao reparar na quantidade de sangue que manchava as gazes. Aproveitou para iniciar o processo de limpeza do ferimento. Era um corte consideravelmente grande, estava na dobra da mão, entre o dedão e o dedo indicador e parecia profundo, mas não parecia ter rompido nenhum músculo, para sorte de Felipe.

- Preciso saber como isso aconteceu para definir a melhor forma de tratamento. - Amanda estava ríspida, mas tentando ser minimamente educada.
- Eu estava tentando colocar um espelho na parede. O prego não estava firme, o espelho caiu e eu me cortei.
- No espelho ou no prego?
- No espelho.
- Quando foi a sua última vacinação contra tétano?
- Não sei, com 15 anos? - Ela bufou.
- Sua vacinação está completamente atrasada. É necessário tomar a dose de reforço a cada dez anos.
- Eu não sabia.
- Agora sabe.

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