Eixos

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Amanda

O clima da casa inteira parecia ter mudado assim que colocaram os pés no ambiente, o ar parecia mais leve, a luz parecia mais enérgica, a decoração parecia mais bonita, a energia parecia mais vibrante. Era como se tudo estivesse finalmente encaixado, como se alguma peça fora do lugar, finalmente tivesse encontrado seu caminho de volta.

Antônio parecia, pela primeira vez nos últimos dias, o mesmo de antes. O homem feliz e amoroso que ela conhecera, o amigo atencioso e carinhoso, o homem que ela sabia que a protegeria de um exército inteiro se fosse preciso, aquele que entrou de fininho em seu coração e dominou cada espaço dele silenciosamente, o homem que ela se apaixonou sem nem ao menos notar.

A noite de sábado pareceu até atípica, jantaram juntos e conversaram... Nada que, anteriormente, não fosse extremamente comum, mas que agora parecia até nostálgico. Era impressionante a forma como a distância os afetava em níveis completamente fora dos parâmetros. Estavam tão habituados a estarem juntos que uma semana distantes um do outro soava como meses a fio de uma dolorosa separação.

E não se tratava da distância física.

Amanda e Antônio já haviam ficado distantes geograficamente um do outro antes, afinal, Miami era a casa dele e São Paulo, a dela. Isso nunca foi um empecilho.
Apesar da saudade, a conexão que possuíam sempre foi mantida viva, talvez até de forma mais intensa. Todas as vezes em que ele retornou para os Estados Unidos, ambos se esforçaram ao máximo para estarem presentes um para o outro de todas as formas possíveis. Se falavam em todas as oportunidades, enviavam fotos do que faziam o dia inteiro, se Amanda não estivesse de plantão, habitualmente, havia um chamada de vídeo antes de dormir. E ela sempre enviava um presente antes de cada luta! Podia ser qualquer coisa, mas sempre com um significado, sempre algo que o ajudasse a se lembrar de quem era ou de que ele tinha pessoas que o amavam independente de que pudesse acontecer.

Mas dessa vez, mesmo dormindo em quartos um ao lado do outro, se sentiram mais afastados do que os quase sete mil quilômetros que separava suas residências. Por que, dessa vez, a distância foi emocional e este era um sentimento que nenhum dos dois havia provado até então.

O gosto era amargo.

Talvez fosse por isso que Amanda cedeu tão facilmente, ou simplesmente porque o amava tanto a ponto de nunca conseguir realmente sentir raiva dele. Se sentiu triste e magoada, sim, mas a raiva se dissipava tão rápido quanto algodão doce se dissolvendo em água.
Mas ela não sentia que o havia perdoado fácil demais, pelo contrário, tudo que ela queria e tudo que precisava era saber que ele se arrependia e isso ficou nítido no tom de voz, na expressão corporal e principalmente, nos olhos dele. Amanda sabia ler cada detalhe de quem ele era e sabia que o pedido de desculpas carregava o peso da mais excruciante sinceridade que ele poderia proferir.
Nada além disso era necessário. Nunca foi. A relação deles era pautada na confiança, na solidariedade e na reciprocidade. Se isto estivesse em equilíbrio, então, estavam bem. O que não significava que as palavras dela não fossem ser levadas a sério, realmente não toleraria que ele tornasse a repetir as atitudes.

O dia seguinte foi preenchido pela saudade não dita. Do momento em que se encontraram na cozinha naquela fria manhã de domingo, até o momento que se deitaram para dormir ao final da noite, não se desgrudaram.
A manhã fria, se tornou chuvosa rapidamente e os planos para o dia se concentraram em apenas aproveitar a boa companhia e descansar.
Amanda, Antônio, Larissa e Fred se reuniram na sala de estar, confortavelmente espalhados pelo sofá, aninhados em cobertores quentinhos e nos braços das pessoas que amavam. Fizeram uma maratona de todos os filmes de Harry Potter que durou praticamente o dia inteiro, com pausas apenas para almoçar, fazer pipoca e chá e pedir o jantar.

Perto das dez da noite, quando o começavam o quinto filme, uma queda de energia os interrompeu. A chuva ainda caia do lado de fora da casa e a água batia com agressividade contra os vidros das janelas.
Mesmo com a casa abastecida pela energia do gerador de força, os quatro decidiram que já era hora de dormir, afinal, a próxima semana prometia intensidade. Os últimos preparativos para a festa de aniversário de Fred e o início da contagem regressiva de dez dias para a primeira luta de Antônio na temporada de 2023 da PFL.

- Amandinha? - Antônio chamou, com a voz vacilando e um olhar de incerteza no rosto.
- Pode falar. - Amanda incentivou, ao notar que ele não parecia muito confiante em continuar.
- Eu queria... Pedir... - Ele parou de falar e precisou respirar fundo uma vez antes de concluir. - Eu queria saber se você pode dormir comigo essa noite.

Amanda quis rir, ele estava tão inseguro apenas para pedir que ela dormisse com ele?
Sentiu seu coração derreter ao passo que as maçãs do rosto do lutador se coloriam em um tom avermelhado.

- Claro que posso. - Ela sorriu com ternura, abraçando-o em seguida.

Ficaram em silêncio durante o curto trajeto até o cômodo e permaneceram assim após entrarem nele. Antônio se despiu, trocando a roupa que vestia por uma calça de moletom e uma camiseta de manga comprida. Amanda se ausentou do quarto por um instante para também trocar suas vestes por um pijama de plush quentinho e escovar os dentes.
Ao voltar, o silêncio ainda os permeava, mas não era incômodo e nem embaraçoso, pelo contrário. Se sentiam confortáveis na falta das palavras, pois assim, seus olhares podiam conversar livremente e estes sim sabiam se comunicar com maestria.
Tudo que ambos tanto lutavam para esconder, todos os sentimentos e desejos, todos os pensamentos e esperanças, as idealizações de um futuro juntos, todo o amor e todas as sensações que um causava no outro, absolutamente tudo era transpassado pelos olhares.

Uma pena que a compreensão dos olhos não chegava à mente.

Seus corpos também mantinham uma conversa paralela entre si, mas diferente dos olhos, os corpos eram mais diretos, mais reativos. Reagiam um ao outro de forma explícita, demonstrando o que e o quanto queriam.
Foi assim que, no momento que apagaram as luzes e se deitaram na cama, magneticamente foram puxados um para o outro e se envolveram num abraço terno, macio e aquecido. Os braços dele contornando o corpo dela, a boca dela roçando levemente o peitoral definido, o nariz dele inalando o perfume do shampoo de jasmim que ele tanto adorava.

Amanda não soube dizer como aconteceu, mas tinha certeza que seu corpo se moveu por conta própria, sem passar pelo filtro de aprovação de seu cérebro. Quando sua consciência retomou o controle, já era tarde e a boca dela já estava confortavelmente aconchegada na dele.
A pressão dos braços dele aumentando o aperto em volta do corpo dela, foi a resposta que precisava para manter seus lábios exatamente onde estavam. E o beijo se intensificou quando a língua quente dele tomou seu lugar por direito dentro da boca dela.

Era como um abraço de boas vindas de alguém que retornara de uma longa viagem. Tinha gosto de saudade e de pertencimento. Simplesmente parecia certo. Inefável.
Não havia malícia, apesar de desejo latente. Não havia pressa, apesar de um velado desespero.

Seus corpos se embolaram em busca de suprir o vazio que a ausência deixou. As mãos buscavam acalento ao tocar, apertar e sentir cada centímetro do corpo alheio. As respirações ofegantes eram uma prova da necessidade de afeto. E o sorriso em meio ao beijo, simplesmente pelo mero prazer de estarem íntimos mais uma vez, era a demonstração mais genuína de amor e felicidade que já haviam compartilhado.

Era como se o mundo tivesse voltado aos eixos mais uma vez.

Notas da Autora:
Oi, sei que eu sumi, mas prometo compensar no fim de semana.

Esse capítulo tá pequenininho? Tá, mas considerem ele um aquecimento pro capítulo de amanhã.

Sobre a escolha dos números, a maioria votou 2, então vem aí uma coisa...
Provavelmente ainda não vai ser no capítulo de amanhã, vai ser no próximo, mas depois que acontecer, eu aviso nas notas qual foi a escolha que vocês fizeram 🤭

Obrigada por todos os comentários, pelas visualizações, pelo carinho, por interagirem comigo aqui e no twitter. Eu sou muito grata mesmo por tudo isso 💖💖💖💖💖

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