Eram seis da manhã duma segunda-feira que prometia ser um vendaval. Contudo, nas primeiras horas do dia, só havia silêncio na casa. Miguel aproveitava os últimos minutos de sono na cama e Lila pelo jeito também. Hoje a menina não iria para a escolinha para se despedir dos pais e receber a vovó Elena que chegaria de Monterrey para cuidar dela.
Mia estava perdida em seus pensamentos enquanto se maquiava para o dia, passando seus cremes, corretivo e base com expertise. Ela já havia feito incontáveis viagens a trabalho, mas essa era a primeira vez que se ausentava enquanto mãe.
Mia sentia uma confusão conflitante de sentimentos. Ao mesmo tempo em que estava animada e ansiosa pela Fashion Week, as after-parties, as sessões de fotos e sua subsequente entrevista com a Vogue na terça, sentia-se péssima por deixar Lila por vários dias seguidos.
Seus pensamentos se voltaram à Mia pequena e até mesmo à Mia adolescente, que sentia solidão e um temor visceral a cada vez que seu pai virava as costas e partia por dias e por vezes semanas a fio. Talvez fosse um medo maior do que o normal por não ter tido mãe. Se algo acontecesse a Franco, ou se ele decidisse abandoná-la por qualquer motivo, Mia ficaria sozinha no mundo.
Num impulso, Mia apanhou o celular que estava sobre a bancada de mármore da pia. O telefone chamou três vezes até que a voz de Franco invadiu seus sentidos.
"Filha? Tá tudo bem com você? Me ligou tão cedo..." A voz dele estava um pouco rouca, de quem havia sido despertado, mas ainda assim ela pôde perceber a preocupação ali.
"O senhor se sentia mal quando precisava viajar e me deixar pra trás?"
"Óbvio que sim, Mia. Eu sofria a cada despedida, ao ver cada lágrima sua. Por isso haviam vezes que eu partia sem me despedir—eu não aguentava te ver triste."
"Sabe pai, as vezes acho que te faltava mais tato... Aliás, até hoje falta. Doíam sim as despedidas, mas doía muito mais não tê-las. Me fazia sentir muito mais insegura. Eu tinha pesadelos com aviões caindo, com você me abandonando, com acidentes de carro e matadores de aluguel... Tudo bem, talvez eu não devesse assistir tantos filmes do Liam Neeson—aliás, essa era uma das poucas coisas que fazíamos juntos—mas eu me sentia totalmente vulnerável. Sabe, eu trocaria todas as roupas e sapatos de grife e todos os luxos do mundo só para ter o meu pai mais presente."
"Hoje eu sei disso, minha filha, e eu me arrependo tanto. Confesso que eu não soube lidar ou como agir com você após Marina nos deixar. Eu cresci numa outra época e principalmente numa família muito machista onde os homens eram os provedores enquanto as mulheres ficavam em casa. Pensei que era a maneira certa de fazer as coisas, até que percebi o contrário... Talvez tarde demais."
"E aquela cena que o senhor fez aqui o outro dia, pai... Me expulsando de casa, trazendo minhas coisas. Eu me senti tão invadida e com tanta vergonha. Eu tô muito velha pra passar por esse tipo de coisa."
"Me doeu muito ser excluído das coisas da sua vida, Mia. Agi por impulso e na força da raiva e do ressentimento e reconheço que errei e que jamais poderia ter feito o que fiz."
"Ai, Daddy, eu tenho o mesmo gênio terrível—mas saiba que me magoou muito. Eu e o Miguel estávamos passando por momentos delicados, não é fácil perdoar e tentar fazer as pazes um com o outro e com o nosso passado doloroso. Ser forçada pelo senhor naquele momento foi péssimo..." Mia soltou um longo suspiro, ouvindo a respiração pesada do pai do outro lado da linha. "Mas, ao final, tenho que reconhecer que não foi de todo ruim. Ter ficado aqui com Miguel e Lila foi bom. Estamos nos tornando uma família agora e cada dia é um aprendizado, um novo desafio..."
"Você vai mesmo adotar essa menina, Mia?"
"O meu coração já adotou, Pai, agora só faltam os papéis."

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Volverlo a Intentar
RomanceQuando Mia Colucci recebe a notícia de que seu pai está internado em estado grave, ela entra no primeiro avião rumo ao México. Pouco ela imaginava que esse retorno à sua terra natal impulsionaria um reencontro com seu ex-noivo, Miguel Arango, após 1...