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Miguel estava com os nervos à flor da pele. Quatro andares e oito lances de escada dividiam o andar onde ficava o setor financeiro da diretoria e eram esses lances de escada que ele subia agora, pois mal conseguia ficar parado de tanta ansiedade. Será que ela leu? Será que ela entenderia? Eram tantas perguntas que fervilhavam em sua mente e ao mesmo tempo uma confusão de sentimentos que ameaçavam enlouquecê-lo.

Quando Miguel finalmente chegou ao andar da diretoria, Rita vinha saindo da sala da Mia, fechando a porta logo atrás. As persianas da sala dela estavam fechadas—privacidade total—o que não era comum.

"Lindas flores Sr. Arango!" Rita exclamou com um sorriso faceiro no rosto. "A Colucci ficou toda derretida..." Ela sussurrou para ele, dando um tapinha em seu braço.

Miguel sentiu-se soltando um ar que nem sabia que estava segurando. "Então ela tá bem?"

"Claro que está, chefinho. Agora, você bem que podia dizer pra sua querida Ritinha aqui quais são os planos pra hoje... Um jantarzinho romântico à luz de velas? Um hotel cinco estrelas... Um final de semana na praia?"

"Eu acho que você tem que ler menos romances de banca, Ritinha..." Miguel retrucou, plantando um beijo estalado na bochecha dela. Rita soltou um gritinho, surpresa com aquele gesto e correu para sua cadeira gargalhando. "E focar mesmo é no trabalho. Eu preciso daqueles orçamentos para a obra de Tampico"

"Vou te denunciar por assédio no trabalho, hein!"

Miguel gargalhou outra vez. "Te adoro, Rita, mas prefiro as loiras..."

Mia saiu da sala dela naquela hora, o telefone pendurado na orelha, uma pasta e um iPad em mãos, ela parecia irritada com algum assunto, mas Miguel não conseguia entender do que se tratava pois ela falava num ligeiro e ríspido italiano.

"Ci parliamo dopo, Federica, grazie per tutti." O sarcasmo no tom de voz da Mia jamais precisaria ser traduzido. Miguel a viu desligar a chamada, parecendo o próprio demônio de tão irritada. Ela respirou fundo e olhou em direção à mesa da Rita, só naquele momento se dando conta de que sua secretária e seu outro ex infernal a observavam.

"Tutto bene, tesoro?" Miguel perguntou com o pouco italiano que sabia, tentando quebrar aquele clima tenso.

Mia suspirou dramaticamente e assentiu, mordendo os lábios. "Como dizia o poeta brasileiro Belchior, no segundo passado eu morri, mas nesse segundo eu não morro."

Miguel sorriu. Ele tinha aquele LP do Belchior em casa, era um daqueles preciosos achados de sebos, algo que ele comprou há muitos anos quando eles viajaram em turnê por São Paulo.

"Pronta pra reunião?" Ele perguntou, se aproximando dela, suas mãos atrás das costas.

"Eu tô mais pronta para umas férias offline nas Maldivas, tem como?"

Miguel riu ao virarem a esquina para o corredor, longe dos olhares e ouvidos fuxiqueiros da Rita.

"Quem sabe pra nossa lua de mel?" Ele sussurrou no ouvido dela, o hálito quente dele provocando leves arrepios na nuca de Mia.

"Vai sonhando Caipira! Como pode ver, não tem anel nenhum no meu dedo."

Ela então enfiou o cotovelo na costela dele. Miguel grunhiu de dor, fazendo uma careta, o que a fez sorrir satisfeita como a diabinha que às vezes era.

"Porra, Mia."

"Para de dar bandeira, seu idiota." Ela falou entre dentes, logo antes de adentrarem a sala de reunião onde a equipe de marketing os aguardava para a apresentação do projeto final para a campanha primavera-verão.

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