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"E aí eu beijei a princesa e ela se despertou do sono profundo..."

Eram quase nove da noite e Miguel tentava, ou melhor, fracassava, em fazer a filha dormir. Ela teria pré-escola amanhã cedo e ele teria várias reuniões e muito trabalho. Ele já havia contado historinha, já havia cantado várias canções de ninar e nada. Era Lila a contadora de histórias agora.

"E qual princesa era essa? Branca de Neve? Aurora?"

"Não papai, uma princesa de verdade, lá na casa do Vovô Franco!" Miguel jamais se acostumaria com sua filha chamando Franco de vovô.

Miguel franziu o cenho. Não estava entendendo nada. "Uma princesa, filha?" Lila assentiu.

"É. Eu só conhecia ela de fotos—cabelo assim loiro, comprido, olhos azuis... Ela desmaiou na cozinha e aí eu fui lá e beijei."

Miguel entendeu imediatamente de quem se tratava e não conseguiu conter o riso imaginando a cena.

"E aí ela despertou do sono profundo?" Lila assentiu com um sorriso. "E depois?"

"Ela sentou na mesa comigo e almoçou—e aí ela roubou um pedação do meu bolo de chocolate, acredita?" Miguel riu do tom de ultraje na voz da filha. Ele conseguia acreditar perfeitamente. "Eu não sabia que as princesas eram tão atrevidas."

"Ela não era princesa de verdade, filha, você sabe né?"

Lila riu e revirou os olhos como se o pai fosse um grande banana. Se aos quatro anos ela já era assim, imagina adolescente. Miguel enchia-se de medo.

"Claro que não papai, ela nem coroa tinha! Eu só achei ela bonita."

"É, bonita mesmo, sempre foi." Aí ele teve que concordar.

"Agora vai pro seu quarto papai, eu to com sono." Lila o expulsou, se virando de costas para ele, agarrando seu elefantinho.

"A senhora t'a muito metida esses dias, dona Lila." Ele deu um beijo de boa noite em sua bochecha e apagou a luz do abajur. "Anjinho da guarda te proteja, Lilica. Papai te ama."

Miguel desceu as escadas de casa. Não pretendia dormir tão cedo. Seu macbook e uma pilha de planilhas e relatórios o aguardavam na mesa de jantar. Ele resolveu que após o longo dia que tivera que merecia abrir uma garrafa de vinho.

A proposta de Franco martelava em sua cabeça.

E de repente parecia que algo martelava contra a porta de sua casa.

Miguel franziu o cenho. Não esperava visitas essa noite e Lupita nunca aparecia sem avisar. Ele atravessou a sala de estar e foi em direção à grande porta de madeira. Ele abriu a porta sem olhar pelo olho-mágico e não acreditou quem viu.

"Boa noite, Miguel..."

"Como...?"

"Lupita me passou seu endereço já que meu pai se recusou. Ele me contou da proposta que fez. Posso entrar?"

Miguel assentiu e se afastou abrindo mais a porta para que ela passasse. A noite estava fria e ela vestia um suéter de lã cor creme junto com uma calça jeans mais larguinha, de um estilo mais despojado.

Mia entrou e olhou para a sala de estar espaçosa de design moderno porém aconchegante. Haviam várias plantas pela casa e bastante vidro para deixar a luz natural entrar. O sofá era grande e de couro, do tipo que te fazia afundar de tão macio. Era a cara dele.

"Bonita casa..."

"Obrigada?" Ele a olhou, afundando as mãos nos bolsos da calça, um pouco sem jeito.

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